Qualquer astrônomo sabe
que Sirius, alfa do Cão Maior, é a mais brilhante estrela do céu,
de cor branca e é um sistema duplo. Com uma magnitude aparente de –
1,5, ela encontra-se a 8.7 anos-luz da Terra sendo assim a quinta
estrela mais próxima de nós. Ela é 1,76 vezes maior que o Sol,
2,14 vezes mais massiva, 26 vezes mais luminosa e tem uma temperatura
superficial de 11.000º K.
Contudo, há vários registros na Antiguidade feitos por babilônios, egípcios, gregos e romanos onde ela aparece como uma estrela avermelhada e não branca como a vemos agora. Isso iria na contramão da teoria da evolução estelar mais aceita atualmente. Numa tradução latina do poeta grego de Aratus, Marco Túlio Cícero (106 -43 a.C.), político, orador e filósofo, relata que Sirius “cintila como uma luz avermelhada”, opinião também de Horacio e Sêneca. Os antigos manuscritos do Almagesto, não mencionam nada com respeito ao brilho de Sirius. Todavia, alguns autores antigos notaram que o esplêndido brilho de Sirius em tempos históricos, teria uma estranha transformação em seu brilho e cor. Importa lembrar que Sirius não é catalogada como estrela variável. Essa metamorfose segundo alguns astrônomos como John Herschel, Secchi e Arago, consideravam verdadeira e passaram a pesquisar a causa para uma explicação. Para o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925), a mudança de cor constatada historicamente, oferece um exemplo único, muito embora fosse para ele duvidosa. O conjunto de todas as observações seriam uma falha nos achados arqueológicos de povos que registraram outros fenômenos com impressionante acuidade, ou realmente Sirius mudou de cor ?
Tudo leva a crer que sim e, para chegar a essa conclusão, os pesquisadores alemães Wolfhard Schlosser e Werner Bergmann da Universidade de Ruhr, contaram com a sorte ao descobrir nas crônicas de São Gregório de Tours, França, (538 -594), datadas do ano 577, uma referência a Sirius descrita como de cor avermelhada. Acrescente-se que São Gregório não teve acesso aos trabalhos de observadores do céu na Antiguidade e era considerado conhecedor de astronomia e o maior sábio de seu tempo.
Para explicar o fato, os pesquisadores sugerem que a companheira de Sirius, Sirius B, era uma estrela do tipo gigante vermelha. De lá para cá, teria sofrido um processo de envelhecimento, queimou quase todo os seu combustível nuclear, contraiu-se e tornou-se uma anã branca. Assim, em 577, Sirius B seria uma estrela do tipo gigante vermelha e por isso seu brilho ofuscava Sirius A de cor branca. Essa tese foi publicada na revista Nature (Scientific American que integra o grupo editorial da Nature). Contudo para eles e os astrofísicos, esse processo em Sirius B demandaria no mínimo 100 mil anos e isso implicava uma profunda revisão da teoria da evolução estelar atualmente aceita pela comunidade astronômica. Nesse contexto, a mudança de cor significaria um salto evolutivo em cerca de 1500 anos? Atualmente Sirius B é uma estrela anã branca e seu tom avermelhado desapareceu enquanto Sirius A não mudou.
Gigantes vermelhas e anãs brancas
As anãs brancas estão divididas em dois tipos que obedecem uma evolução diferente segundo sua massa original. O primeiro tipo é para estrelas com massa entre 0,08 e 0,45 massas solares que, após “queimar” o hidrogênio passa a processar o hélio e, num processo de expansão se transforma em uma gigante vermelha. Ao atingir o máximo de expansão dos gases, esta fase se estabiliza e inicia-se a seguir um estágio de contração, gerando uma anã branca com núcleo de hélio. Por conseguinte, não há expansão dos gases para o espaço. O segundo tipo é para estrelas com massa inicial de 0,8 a 10 massas solares. Essas estrelas mais massivas após consumir o hidrogênio no centro, passam a “queimar” o hélio e, numa fase de expansão se transformam em uma supergigante vermelha. Contudo para essas estrelas, o processo de expansão continua passando a transformação do hélio em carbono e oxigênio produzindo um núcleo super massivo que continuará a contração e resultará numa anã branca. Importante lembrar que na fase de expansão a estrela, nesse caso, não consegue reter suas camadas externas que passam a expandir continuamente gerando uma nebulosa planetária. Nesse caso, a anã branca resultante é formada por carbono e oxigênio, portanto diferente do primeiro tipo. De conformidade com essa teoria mais aceita atualmente pela astronomia, o que ocorreu com Sirius B enquadra-se no primeiro tipo uma vez que não é observado nenhum resíduo de gás envolvendo a estrela e muito menos qualquer sinal de uma nebulosa planetária.
As últimas pesquisas apontam que Sirius B tem temperatura superficial de 11.000º K, baixa luminosidade e uma massa solar concentrada em um diâmetro de apenas 11.700 mil km, ou 92% do diâmetro da Terra. Sua densidade no entanto é gigantesca com cerca de 2 milhões de vezes a densidade da água. Algumas anãs brancas possuem densidades tão altas que uma colherinha de chá desse material pesaria algo em torno de 50 toneladas! Densidade maior que esta somente encontramos nos buracos negros. Atualmente se conhecem mais de 25 mil anãs brancas e 10 mil nebulosas planetárias em nossa galáxia, a Via Láctea. Isso mostra que o segundo tipo com estrelas com massa inicial entre 0,8 a 10 massas solares é o mais comum.
Descoberta e observação
Sirius A (estrela maior) e Sirius B (seta)
A descoberta de Sirius B, a primeira anã branca, consagrou aquilo que poderíamos chamar de “astronomia do invisível”, pois foi descoberta matematicamente no inicio de 1834 pelo astrônomo alemão Friederich Wilhelm Bessel (1784-1846). Não era a primeira vez, pois em 1820 o astrônomo francês Alexis Bouvard constatou que a órbita de Urano sofria perturbações. Mas foi estudando o movimento desse planeta, que o francês Urbain Leverrier (1811-1877) e o inglês John C. Adams (1819-1892) calcularam a posição de Netuno, que foi avistado pela primeira vez pelo astrônomo alemão Johann G. Gale (1812-1910) no Observatório de Berlin na noite de 23 de setembro de 1846 seguindo a posição dada por Leverrier. Bessel suspeitou que o movimento próprio de Sirius não era uniforme. Dez anos depois em Königsberg, Alemanha, ele anunciou que as irregularidades observadas no movimento próprio de Sirius só poderiam ser devidas pela presença de uma astro perturbador. Em 1851, Peters calculou uma órbita teórica que satisfazia as perturbações observadas. Bessel não parou por ai e constatou a mesma situação em Procyon, alfa do Cão Menor, por apresentar também uma flutuação no movimento próprio que mais tarde foi confirmada por Anwers de uma companheira com órbita de 40,6 anos. A comprovação de Sirius B veio apenas em 1862, através do óptico americano Alvan G. Clark (1832-1897) quando testava com seu filho uma luneta de 47 cm por ele construída para o Observatório de Dearborn e com uma óptica excepcional. Ao apontar a luneta para Sirius, foi entretanto seu filho o primeiro a ver que Sirius tinha uma companheira : “Pai, Sirius tem uma companheira!” Isso contudo é bom lembrar, foi resultante de uma posição orbital favorável de Sirius B.
Com uma órbita de 50,05 anos, Sirius B é dez magnitudes mais fraca que Sirius A, sua observação só é favorável quando se encontra próxima ao apoastro (ponto mais afastado da órbita) e por isso mais distante do brilho intenso de Sirius A. Sirius B orbita Sirius A com uma separação que varia de 8 a 32 UA (Unidades Astronômicas: 1 UA = 150 milhões de km) e na época da observação do filho de A. Clark, a distância entre os dois astros era de 10” com ângulo de 85º. Os anos mais próximos ao apoastro foram de 1866/67.
Atualmente, passados 50 anos, e completando-se uma órbita desde então, aproxima-se uma nova fase propícia à observação.
Quanto a “astronomia do invisível”, vale assinalar a descoberta em 1969 de um companheiro invisível na estrela Aitken 14 feita pelo colega já falecido do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Ronaldo Rogério de Freitas Morão (1935-2014) e que foi confirmada pelos astrônomos francês P. Baize e pelo austríaco J. Hoppmann, que em 1973 determinou uma órbita provisória que foi publicada pela Academia de Ciências da Áustria. A história envolvendo Sirius é intrigante, fascinante, e mostra que, assim como existem muitos mistérios na Terra, também os há no céu.
Nelson Travnik é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
REFERÊNCIAS
Contudo, há vários registros na Antiguidade feitos por babilônios, egípcios, gregos e romanos onde ela aparece como uma estrela avermelhada e não branca como a vemos agora. Isso iria na contramão da teoria da evolução estelar mais aceita atualmente. Numa tradução latina do poeta grego de Aratus, Marco Túlio Cícero (106 -43 a.C.), político, orador e filósofo, relata que Sirius “cintila como uma luz avermelhada”, opinião também de Horacio e Sêneca. Os antigos manuscritos do Almagesto, não mencionam nada com respeito ao brilho de Sirius. Todavia, alguns autores antigos notaram que o esplêndido brilho de Sirius em tempos históricos, teria uma estranha transformação em seu brilho e cor. Importa lembrar que Sirius não é catalogada como estrela variável. Essa metamorfose segundo alguns astrônomos como John Herschel, Secchi e Arago, consideravam verdadeira e passaram a pesquisar a causa para uma explicação. Para o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925), a mudança de cor constatada historicamente, oferece um exemplo único, muito embora fosse para ele duvidosa. O conjunto de todas as observações seriam uma falha nos achados arqueológicos de povos que registraram outros fenômenos com impressionante acuidade, ou realmente Sirius mudou de cor ?
Tudo leva a crer que sim e, para chegar a essa conclusão, os pesquisadores alemães Wolfhard Schlosser e Werner Bergmann da Universidade de Ruhr, contaram com a sorte ao descobrir nas crônicas de São Gregório de Tours, França, (538 -594), datadas do ano 577, uma referência a Sirius descrita como de cor avermelhada. Acrescente-se que São Gregório não teve acesso aos trabalhos de observadores do céu na Antiguidade e era considerado conhecedor de astronomia e o maior sábio de seu tempo.
Para explicar o fato, os pesquisadores sugerem que a companheira de Sirius, Sirius B, era uma estrela do tipo gigante vermelha. De lá para cá, teria sofrido um processo de envelhecimento, queimou quase todo os seu combustível nuclear, contraiu-se e tornou-se uma anã branca. Assim, em 577, Sirius B seria uma estrela do tipo gigante vermelha e por isso seu brilho ofuscava Sirius A de cor branca. Essa tese foi publicada na revista Nature (Scientific American que integra o grupo editorial da Nature). Contudo para eles e os astrofísicos, esse processo em Sirius B demandaria no mínimo 100 mil anos e isso implicava uma profunda revisão da teoria da evolução estelar atualmente aceita pela comunidade astronômica. Nesse contexto, a mudança de cor significaria um salto evolutivo em cerca de 1500 anos? Atualmente Sirius B é uma estrela anã branca e seu tom avermelhado desapareceu enquanto Sirius A não mudou.
Gigantes vermelhas e anãs brancas
As anãs brancas estão divididas em dois tipos que obedecem uma evolução diferente segundo sua massa original. O primeiro tipo é para estrelas com massa entre 0,08 e 0,45 massas solares que, após “queimar” o hidrogênio passa a processar o hélio e, num processo de expansão se transforma em uma gigante vermelha. Ao atingir o máximo de expansão dos gases, esta fase se estabiliza e inicia-se a seguir um estágio de contração, gerando uma anã branca com núcleo de hélio. Por conseguinte, não há expansão dos gases para o espaço. O segundo tipo é para estrelas com massa inicial de 0,8 a 10 massas solares. Essas estrelas mais massivas após consumir o hidrogênio no centro, passam a “queimar” o hélio e, numa fase de expansão se transformam em uma supergigante vermelha. Contudo para essas estrelas, o processo de expansão continua passando a transformação do hélio em carbono e oxigênio produzindo um núcleo super massivo que continuará a contração e resultará numa anã branca. Importante lembrar que na fase de expansão a estrela, nesse caso, não consegue reter suas camadas externas que passam a expandir continuamente gerando uma nebulosa planetária. Nesse caso, a anã branca resultante é formada por carbono e oxigênio, portanto diferente do primeiro tipo. De conformidade com essa teoria mais aceita atualmente pela astronomia, o que ocorreu com Sirius B enquadra-se no primeiro tipo uma vez que não é observado nenhum resíduo de gás envolvendo a estrela e muito menos qualquer sinal de uma nebulosa planetária.
As últimas pesquisas apontam que Sirius B tem temperatura superficial de 11.000º K, baixa luminosidade e uma massa solar concentrada em um diâmetro de apenas 11.700 mil km, ou 92% do diâmetro da Terra. Sua densidade no entanto é gigantesca com cerca de 2 milhões de vezes a densidade da água. Algumas anãs brancas possuem densidades tão altas que uma colherinha de chá desse material pesaria algo em torno de 50 toneladas! Densidade maior que esta somente encontramos nos buracos negros. Atualmente se conhecem mais de 25 mil anãs brancas e 10 mil nebulosas planetárias em nossa galáxia, a Via Láctea. Isso mostra que o segundo tipo com estrelas com massa inicial entre 0,8 a 10 massas solares é o mais comum.
Descoberta e observação
Sirius A (estrela maior) e Sirius B (seta)
Foto
do Telescópio E
A descoberta de Sirius B, a primeira anã branca, consagrou aquilo que poderíamos chamar de “astronomia do invisível”, pois foi descoberta matematicamente no inicio de 1834 pelo astrônomo alemão Friederich Wilhelm Bessel (1784-1846). Não era a primeira vez, pois em 1820 o astrônomo francês Alexis Bouvard constatou que a órbita de Urano sofria perturbações. Mas foi estudando o movimento desse planeta, que o francês Urbain Leverrier (1811-1877) e o inglês John C. Adams (1819-1892) calcularam a posição de Netuno, que foi avistado pela primeira vez pelo astrônomo alemão Johann G. Gale (1812-1910) no Observatório de Berlin na noite de 23 de setembro de 1846 seguindo a posição dada por Leverrier. Bessel suspeitou que o movimento próprio de Sirius não era uniforme. Dez anos depois em Königsberg, Alemanha, ele anunciou que as irregularidades observadas no movimento próprio de Sirius só poderiam ser devidas pela presença de uma astro perturbador. Em 1851, Peters calculou uma órbita teórica que satisfazia as perturbações observadas. Bessel não parou por ai e constatou a mesma situação em Procyon, alfa do Cão Menor, por apresentar também uma flutuação no movimento próprio que mais tarde foi confirmada por Anwers de uma companheira com órbita de 40,6 anos. A comprovação de Sirius B veio apenas em 1862, através do óptico americano Alvan G. Clark (1832-1897) quando testava com seu filho uma luneta de 47 cm por ele construída para o Observatório de Dearborn e com uma óptica excepcional. Ao apontar a luneta para Sirius, foi entretanto seu filho o primeiro a ver que Sirius tinha uma companheira : “Pai, Sirius tem uma companheira!” Isso contudo é bom lembrar, foi resultante de uma posição orbital favorável de Sirius B.
Com uma órbita de 50,05 anos, Sirius B é dez magnitudes mais fraca que Sirius A, sua observação só é favorável quando se encontra próxima ao apoastro (ponto mais afastado da órbita) e por isso mais distante do brilho intenso de Sirius A. Sirius B orbita Sirius A com uma separação que varia de 8 a 32 UA (Unidades Astronômicas: 1 UA = 150 milhões de km) e na época da observação do filho de A. Clark, a distância entre os dois astros era de 10” com ângulo de 85º. Os anos mais próximos ao apoastro foram de 1866/67.
Atualmente, passados 50 anos, e completando-se uma órbita desde então, aproxima-se uma nova fase propícia à observação.
Quanto a “astronomia do invisível”, vale assinalar a descoberta em 1969 de um companheiro invisível na estrela Aitken 14 feita pelo colega já falecido do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Ronaldo Rogério de Freitas Morão (1935-2014) e que foi confirmada pelos astrônomos francês P. Baize e pelo austríaco J. Hoppmann, que em 1973 determinou uma órbita provisória que foi publicada pela Academia de Ciências da Áustria. A história envolvendo Sirius é intrigante, fascinante, e mostra que, assim como existem muitos mistérios na Terra, também os há no céu.
Nelson Travnik é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
REFERÊNCIAS
Astronomy, R. Baker e L. W.
Frederick, 1971
Scientific American Brasil,
edição Especial nº 15, Estrelas
Astronomia & Astrofísica,
Kepler de Oliveira e Maria de F. Saraiva, LF editorial,2014
Astronomie Populaire, Camille
Flammarion, nova edição, 1955
Les Etoiles
et les Curiosités du Ciel, C. Flammarion, Ernest Flammarion editeur,
1896
Dicionário Enciclopédico de
Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R.F. Mourão, 2ª edição,editora
Nova Fronteira, 1955
Scientific American Brasil,
Nelson Travnik, Especial Astronomia nº 62,
Nov/dez 2014.
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