quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

SOB O LUMINOSO CÉU DO BRASIL


Há cem anos a Relatividade de Einstein era confirmada no Brasil e pouca gente sabe que os conceitos da ciência no século XX mudaram radicalmente após um eclipse total do Sol tendo como palco a cidade de Sobral no Ceará.
Por Nelson Travnik(*)
A partir do dia 10 de maio de 1919, a cidade com apenas 10 mil habitantes foi surpreendida com a chegada de astrônomos brasileiros, ingleses e americanos. Na Praça do Patrocínio (fig. 1) em frente a igreja, várias tendas com um arsenal de instrumentos científicos começaram a ser montadas. Tudo teria que estar pronto para a manhã do dia 29, dia do eclipse. A equipe brasileira era composta por Henrique Morize, Domingos Costa, Lélio Gama e Allyrio de Mattos, todos do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, ON. A inglesa por Charles R. Davidson e Andrew Claude de La Cherois Crommelin do Real Observatório de Greenwich e a americana por Daniel Wise e Andrew Thomson,

comissionados pela fundação Carnegie Institution de Washington, interessada nos possíveis efeitos do eclipse sobre o magnetismo terrestre. A equipe brasileira instalou um fotoheliógrafo Zeiss com objetiva de 10,5 cm com a missão de fotografar a coroa solar, e a inglesa um celostato com os dois espelhos direcionados a uma luneta com objetiva de 33 cm diafragmada para 20,3 cm e uma outra de 10,1 cm, ambas para o teste da possível curvatura do raio luminoso de estrelas próximas ao bordo solar.


PORQUE SOBRAL?
A faixa de totalidade com 130 km de largura, começou no Peru, Brasil, Oceano Atlântico, Ilha do Príncipe, África Central e Moçambique. Após consenso geral, os melhores locais escolhidos foram o Brasil e a Ilha do Príncipe, (fig. 2). No Brasil, após criterioso exame, os astrônomos optaram por Sobral em pleno sertão cearense por várias razões: próxima a linha de centralidade; tempo de exposição da luz solar que oferecia durante o eclipse; facilidade no transporte dos instrumentos pela Estrada de Ferro Viação Cearense e pelo apoio logístico oferecido pelo ON. Sobral encontrou-se, pois, no lugar e no tempo certo para ser palco de um espetáculo científico que trouxe profundas repercussões científicas para a humanidade.

O GRANDE DIA
As atenções do mundo inteiro estavam convergidas para Sobral e a Ilha do Príncipe. Seria uma oportunidade única para comprovar se a teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein (1879-1955) estava correta segundo a qual a luz de uma estrela passando de raspão por um corpo maciço, no caso o Sol, seria levemente desviada de sua posição original devido a deformação do espaço pela gravidade do Sol. Conhecida a posição da estrela antes, durante e depois do eclipse, essa posição seria alterada devido a força gravitacional do Sol deformando o espaço (fig. 3). Em Sobral, o inicio do eclipse estava previsto para às 08:56 com duração de 6 minutos e 14 segundos, um tempo ótimo considerando o máximo previsto de um eclipse total do Sol
de 7 minutos e 14 segundos. Mas o tempo amanheceu com forte nevoeiro causando grande apreensão nos astrônomos. Contudo, como num passe de mágica, 5 minutos antes da totalidade, dissipou-se o nevoeiro deixando o Sol num campo livre e desembaraçado para a obtenção das fotografias desejadas. A equipe brasileira obteve 7 chapas e a inglesa 19 chapas com a luneta de 20,3 cm e 8 com a luneta de 10,1 cm, num total de 27 chapas sendo 8 consideradas muito boas.

 As exposições fotográficas variaram de 5 a 58 segundos. A mais famosa fotografia foi obtida por Henrique Morize do   ON (fig. 4) mostrando uma grande protuberância chamada “Tamanduá” pela semelhança com esse animal. Todo o eclipse com as fases parciais terminou às 10:29.


EINSTEIN X NEWTON
Segundo Isaac Newton (1642-1727), os raios de luz não têm massa e não teriam sua trajetória afetada pela gravidade. Para ele, o espaço-tempo eram absolutos e não falava nada sobre aceleração e tampouco sobre a curvatura do espaço. Com a teoria da Relatividade Geral, Einstein explicou primeiramente um fenômeno que a física newtoniana não explicava: o avanço do periélio de Mercúrio após múltiplas órbitas. Entretanto, para derrubar Newton de seu pedestal intocável por mais de três séculos, a comunidade de físicos exigiam mais. Ademais, Einstein era alemão e os ânimos contra a Alemanha estavam acirrados em 1919 após o armistício de 1918. Na Inglaterra muitos olhavam torto para a idéia de patrocinar expedições a cantos remotos do planeta com objetivo de comprovar a teoria de um alemão com sua teoria revolucionária e mesmo audaciosa revolucionando a concepção do espaço-tempo e gravidade. Entretanto, como a ciência paira sempre acima da estupidez humana, a Relatividade Geral de Einstein que descreve a distorção do espaço-tempo quando um raio de luz se encurva, ao passar por um corpo de muita massa, precisaria ser provado experimentalmente e nada melhor que um eclipse total do Sol. Segundo Newton, uma estrela atrás do Sol não poderia ser vista. Einstein dizia que sim e calculou que o desvio dos raios de uma estrela próxima a borda solar seria de 1. 75” segundos de arco, durante um eclipse total do Sol. Confrontando com sua posição original, ela se mostraria alterada devido a deformação do espaço pela força gravitacional do Sol. No eclipse de 29 de maio o Sol estaria na constelação do Touro (fig.5) numa região rica de estrelas brilhantes e isso era um fator altamente favorável para provar a teoria.
A COMPROVAÇÃO DE EINSTEIN


No dia do eclipse o tempo esteve chuvoso na Ilha do Príncipe e só duas chapas foram conseguidas, mas somente uma apresentou estrelas com resultados precários e bastante incertos. Ela não permitiu a equipe chefiada por Arthur S. Eddington (1882-1944)  do
Observatório Real de Greenwich, provar a contento a teoria de Einstein. Ao contrário, 8 chapas obtidas pelos ingleses em Sobral foram consideradas muito boas e 7 estrelas (fig. 5) apareciam nelas. As medidas deram o valor de 1.98” segundos de arco de deflexão da luz, muito próximo do previsto por Einstein de 1.75” segundos de arco. Os resultados confirmando o chamado efeito Einstein, só foi possível ao se comparar as chapas do dia 29 de maio com chapas obtidas posteriormente nos dias 10, 13, 14, 16 e 17 de julho, na mesma região do céu onde o Sol estivera antes, no mesmo local e com os mesmos instrumentos. Os resultados foram divulgados em 6 de novembro de 1919 no famoso encontro da Royal Society em Londres. No dia seguinte, manchetes ocupavam os jornais de todo o mundo. Na Inglaterra, particularmente em Londres, o impacto foi enorme e produziu manchetes como: “A teoria do alemão Einstein suplantou a teoria do inglês Newton”. No Times: “Uma revolução na ciência: as idéias de Newton estão arruinadas”! A observação do eclipse solar em Sobral, foi a primeira comprovação convincente da Relatividade Geral. Atualmente não se usa mais eclipses solares totais para comprovação da teoria e sim ondas de rádio emitidas por quasares e detectadas por rádio telescópios. Mais tarde Einstein visitou o Brasil de 4 a 12 de maio de 1925, ocasião em que disse: “O problema concebido pelo meu cérebro, incumbiu-se de resolve-lo o luminoso céu do Brasil”.

(*) Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.


Referências – Para conhecer mais
  • Einstein no Brasil, Marcomede R. Nunes, ON, Editora Régis Aló, 2005;
  • Astronomia no Ceará, Rubens de Azevedo, IOCE, Fortaleza, 1986;
  • Correio da Semana, jornal de Sobral, dias 17, 24 e 31 de março e 12 de julho de 1919;
  • Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R. F. Mourão, Editora Nova Fronteira, 1995;
  • Testing Relativity from the 1919 Eclipse a question of bias, Daniel Kennefick, American Institute of Physics, 2009;
  • A Determination of the Deflection of Light by the Sun’s Gravitational Field, from Observations made at the Total Eclipse of May 29, 1919, by Sir F. W. Dyson, F. R. S. Astronomer Royal, Prof A. S. Eddington, F. R. S. and Mr. C. Davidson;
  • Observatório Nacional 185 Anos, Terezinha Rodrigues, ON, 2012;
  • História do Observatório Nacional, Antonio A. Passos Videira, gráfica Duo Print, 2007.


Agradecimentos
Ao Dr. Julio Penereiro, astrofísico do Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini, pela revisão e sugestões ao presente artigo.