quinta-feira, 30 de julho de 2015

OBSERVATÓRIO INSTALA RELÓGIO DO SOL INÉDITO NO PAÍS

A nova atração é parte do Museu do Tempo que o Observatório Astronômico de Piracicaba/SP, órgão da Secretaria Municipal de Educação, estará oferecendo às escolas a partir de agosto.


Segundo o astrônomo Nelson Travnik, autor do projeto e construção, a idéia de um relógio do Sol com um canhão que dispara quando o Sol cruza o meridiano local, surgiu de uma visita feita ao Observatório de Paris em 2011. O projeto de fazer um semelhante afim de testar seu funcionamento, enriquecer o acervo do Observatório e propiciar mais uma atração nas visitas escolares, foi concretizado com sucesso. O primeiro modelo desse relógio foi feito na França por volta de 1800. Quando orientado corretamente, o canhão disparava ao meio dia. Segundo Travnik, a maior dificuldade encontrada foi o canhão modelo antigo, contornada contudo por uma doação do seu colega de São Paulo, Luigino Drioli. O trabalho de gravação foi executado em Americana por  Valdemar G. Terra Neto. O Observatório soma agora cinco relógios do Sol, cada um de um tipo diferente.

LABORATÓRIO   A   CÉU   ABERTO
Pela gama de conhecimentos que proporciona, são até hoje largamente utilizados nas visitas aos observatórios e planetários.  Sua beleza estética, interesse, curiosidade que desperta nas pessoas e o valor pedagógico é inquestionável. Algumas escolas os possuem em suas unidades bem como estão presentes em praças, jardins e até em paredes de prédios e igrejas como vistos principalmente na Europa.  Ele é a mais antiga ferramenta do homem para medir o tempo, estabelecendo um calendário que permitiu conhecer  as épocas das estações do ano, imprescindível mesmo à sua sobrevivência nas latitudes elevadas. No Brasil o relógio do Sol mais antigo está na igreja de São Francisco Xavier,em Niterói, RJ,  fundada em 1572 pelo padre jesuíta José de Anchieta.

MEDIR  O  TEMPO , UMA  ETERNA  PREOCUPAÇÃO
Impossibilitado de marcas as horas quando não havia Sol, surgem então os relógios de água, Clepsidra e os de areia, Ampulheta. Ninguém sabe exatamente quando surgiu o relógio mecânico e nem quem foi seu criador, mas é certo de que ele data do inicio do século XIV. O relógio de pendulo a partir de 1656, criado pelo astrônomo holandês Christiaan Huyghens (1629-1695), introduziu uma grande precisão nas medições do tempo. A seguir graças ao cronômetro de John Harrison (1693-1776), acertado com o meridiano de Greenwich (Londres), é que foi possível resolver o grande problema das navegações com a determinação das longitudes. Sempre na procura da precisão, aparecem os relógios digitais e a seguir os atômicos com uma precisão de tempo que chega ao nanosegundo ou seja, o milésimo do milionésimo de segundo e que funcionam com base na mecânica quântica. Graças a ele, largamente utilizados nas missões espaciais e em cálculos relativísticos, foi possível determinar que a Terra está mais lenta um segundo por ano. Anualmente   é feito um acerto entre a hora atômica e a hora astronômica. Em nosso País, a Hora Legal Brasileira é determinada por relógios atômicos instalados na Sala da Hora do Observatório Nacional do Rio de Janeiro/CNPq – MST.  Quem quiser saber a hora, com precisão, é só ligar para o Serviço da Hora: (21) 2580.6037. 

RELÓGIO  DO  SOL  COM  UM  CANHÃO !
Ele dispara quando o Sol cruza o meridiano local. A partir de agosto, as escolas que visitam o Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, contarão com mais essa atração que é parte do Museu do Tempo que soma agora cinco relógios do Sol. O novo relógio foi extraído de uma fotografia que vi no Observatório de Paris em 2011. O primeiro modelo foi feito na França em 1800. A dificuldade maior foi encontrar um canhão modelo antigo, contornada contudo com a doação do meu colega de São Paulo, Luigino Drioli. O trabalho de gravação foi executado pelo amigo de Americana, Valdemar G. T. Neto.



quinta-feira, 16 de julho de 2015

NESTE SÁBADO, UM RARO FENÔMENO CELESTE

Nelson Travnik
nelson-travnik@hotmail.com


Fenômeno não é visto há 125 anos. Inspirou um dos maiores pintores que o mundo conheceu. Astronomia descarta interesse científico.

No próximo sábado, a aparição no poente ao entardecer dos planetas Vênus e Júpiter mais a estrela Regulus e uma fina Lua Nova, estarão formando uma imensa cruz no céu. A semelhança em ponto maior ao nosso Cruzeiro do Sul é tão grande, que nem mesmo falta aquela estrela que é conhecida popularmente como “intrometida” e que na grande cruz será  a estrela Nu da constelação do Leão. No passado, conjunções como essa poderia significar um aviso no céu e gerava as mais bizarras manifestações. Sob nova roupagem, ainda nos dias atuais observamos multidões de pessoas infelizmente apegadas a crença em ‘forças’ exercidas pelos astros. Crenças e mágicas são produto do folclore e misticismo dos povos e rendem até hoje significativos dividendos aos espertalhões.  Para a astronomia, esses encontros de astros no céu são casuais sem nenhuma importância científica. Contudo há um detalhe curioso envolvendo este espetáculo no céu. O raro fenômeno também observado em 20 de abril de 1890, foi motivo de menção em um artigo do célebre astrônomo francês Camille Flammarion (1842-1925), publicado na revista “L’ Astronomie”, órgão oficial da Sociedade Astronômica da França. O que desperta atenção, é que é possível que o celebre pintor Vincent van Gogh (1853-1890) então na Florença, tenha tido conhecimento ou tenha sido avisado pelo artigo de Flammarion que o céu iria apresentar tal espetáculo e assim teria resolvido imortalizá-lo em uma das suas famosas telas. Isto é perfeitamente plausível pelo fato de van Gogh ter pintado o céu em várias de suas telas com estrelas, o Sol e a Lua sendo identificados pelos astrônomos, em particular pelo brasileiro Tasso Napoleão de São Paulo, em suas posições reais  no dia em que foram pintadas.


OBSERVAÇÃO

Recomenda-se que as pessoas interessadas em contemplar o evento, procurem um local descampado com ampla visão para o poente . Não há necessidade de nenhum instrumento. Como o Observatório Astronômico de Piracicaba, órgão da Secretaria Municipal de Educação, é um dos bons lugares para observação, o mesmo estará aberto no próximo  sábado, dia de visitação pública, mais cedo a partir das 18 horas. Será também possível que os visitantes observem nos telescópios os planetas Vênus e Júpiter. A entrada é franca e não há necessidade de agendamento. Anote : km  3 da rodovia que liga Piracicaba a Rio Claro.


Nelson Travnik é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba,SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.

sábado, 11 de julho de 2015

JULHO TERÁ FENÔMENO DA LUA AZUL

Imagem: Google imagens - Blog Duplo Nó
Nelson Travnik

nelson-travnik@hotmail.com


Toda a mística e fascínio pela Lua Azul está em que esse fenômeno não é comum. Conhecida como Blue Moon,  o termo é na verdade impróprio pois  não  ocorre  nenhuma alteração  na  coloração  ou no  luar.  Há controvérsias da origem dessa expressão em língua inglesa, mas é certo que  a  associação da  Lua  com  a  cor  azul  já  era  usada  na época  de Shakespeare (final do século XVI, inicio do século XVII). Há um panfleto de 1528 com o primeiro registro de uma ‘lua azul’: If they say the moon is blue,  we  must  believe that  it  is  true.  Se  eles  dizem que  a  Lua  é  azul devemos acreditar que é verdade. Mais tarde a Blue Moon deu seqüencia nos Estados Unidos num costume de dar nomes especiais as luas cheias de cada mês. A Lua de agosto por exemplo é chamada “Lua do milho verde”ou “ Lua dos grãos”; a de setembro “Lua da colheita”; a de outubro “Luada caça” e assim por diante. 

Duas luas cheias,  portanto,  no mesmo mês caracteriza a Blue Moon. O termo inspirou o compositor Richard Rogers e o letrista Lorenz Harte nasua famosa canção ‘Blue Moon’, mais tarde magistralmente interpretada por Frank Sinatra.  O fato de duas luas cheias no mesmo mês não constitui um fato raro mas nessa onda às vezes embarcam astrólogos e esotéricos ávidos  para vaticinar  nascimento,  sexo,  renovação,  fortuna,  emoções, amor e até encontro de almas gêmeas. Os videntes dizem que quando a Lua  Cheia  desponta no  céu,  basta  colocar  na  carteira  sete moedas  de R$1,00 que dará bons resultados. A Lua também inspirou o compositor alemão  Ludwig van  Beethoven.  Sua  “Sonata  ao Luar” é  a  maior consagração à Lua feita por um compositor. Mas voltando a Blue Moon, o intervalo médio da ocorrência das ‘luas azuis’ é de 2 anos e 8 meses, não se levando em conta as duplas ‘luas azuis’ de 1980, 1999 e que ocorrerá também em 2018 e 2037. A última vez que aconteceu duas luas cheias no mesmo mês foi  em agosto  de 2012.  A maior freqüência  de  duas luas cheias é nos meses de 31 dias. A observação da Lua Cheia sempre atrai grande  número  de  pessoas,  notadamente  crianças,  aos observatórios astronômicos  de  todo  País. Ver  aquele  círculo  luminoso  surgindo  no horizonte  é  uma  imagem  que  encanta  e  fascina desde  os  albores  da humanidade. Por ocasião da Blue Moon, existe uma curiosidade inerente em algumas pessoas menos esclarecidas em achar que irão observar uma Lua realmente azul. As pessoas não são frustradas. Colocamos um filtro azul nos telescópios. E tudo acontece num ambiente alegre e descontraído ao som de músicas imortais exaltando a beleza do luar.

Nelson Travnik é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba/SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França, SAF .

sexta-feira, 10 de julho de 2015

NOS MEANDROS DA CIÊNCIA, CRENÇAS E DESCRENÇAS

Imagem extraída do do link  http://www.com.ufv.br/caixapreta/universitarios-tem-religiao/


Nelson  Travnik

nelson-travnik@hotmail.com


Na história do  planeta, a ânsia de milhões de pessoas tem se debruçado sobre os mistérios da mente e da natureza no afã de buscar respostas para essas instigantes questões.
      Apesar da rejeição de certas crenças, quer queira quer não, a evolução está comprovada cientificamente. Quando Charles Darwin (1809-1882) escreveu em “A Origem das Espécies” ao mesmo tempo que seu colega Alfred Russel Wallace que ‘somos descendentes de vermes e moluscos’, a comunidade científica e o clero estremeceram. A teoria evolucionista afrontava a Bíblia. Darwin e Wallace tinham chegado em suas pesquisas a ação da seleção natural na origem das espécies, ponto fundamental da teoria da evolução. Ainda hoje a idéia de que o homem possui forte parentesco com os primatas – eles possuem 48 cromossomos, dois a mais que o homem – continua provocando polêmicas e inaceitável para algumas crenças e muitas escolas nos Estados Unidos que não aceitam incluir na grade curricular o estudo da teoria evolucionista. Apegadas ao criacionismo, entram em confronto direto com a paleontologia. Os museus de história natural estão exibindo pois uma mentira. A idéia de um primata meio-homem e meio-chipanzé, passando daí para  o homem, foi uma evolução lenta e progressiva no campo genético que demandou cerca de 3,5 milhões de anos pois a natureza não dá saltos. O que a ciência investiga é quando e como teria ocorrido a mutação genética nos nossos parentes mais próximos. Um longo e lento processo do homo habilis, ao homo erectus e desse ao homo sapiens que somos nós. Recuando mais no tempo, atualmente os cientistas concordam que somos subproduto acidental feitos de água, de terra, de ar , da luz e de outros elementos forjados no interior de uma estrela, o Sol. As novas revelações astronômicas e bioquímicas fixam fortemente a crença na ocorrência da vida na amplidão cósmica.  .  

A  TERRA  EM  UM  ESPAÇO  TURBULENTO

Ao contrário de muitas espécies que desapareceram, o homem conseguiu sobreviver em um planeta palco de violentas mudanças climáticas e toda espécie de doenças, cataclismos e destruições. Vestígios estão em toda parte. Já experimentamos cinco extinções em massa. A última há 65 milhões de anos dizimou 80% da vida e nesse ‘pacote’ lá se foram os dinossauros. Se o homem estivesse presente nessa época longínqua, talvez você não estaria lendo esse artigo. Azar deles, sorte nossa. Na escala geológica do tempo, estamos aqui em um período infinitesimal pequeno. Infelizmente violentas mudanças geológicas, geofísicas, climáticas e contínua agressão  a natureza, indica que estamos apressando a ocorrência de eventos que irão ceifar a vida de milhões de pessoas. Da Terra para o céu, ao contrário da antiga concepção de um universo tranqüilo e de ‘paz celestial’, os modernos meios de investigação astronômica tem mostrado um cosmo extremamente violento. Colisões de asteroides e cometas em planetas, explosões de estrelas super e hipernovas  aniquilando tudo ao seu redor com radiação X e gama, buracos negros promovendo um canibalismo cósmico a quem se atrever se aproximar deles e colisão de galáxias, este é o universo que a astronomia nos mostra atualmente. Estamos pois indefesos expostos a eventos cósmicos capazes de, a qualquer momento, varrer a vida no planeta. Simplesmente estamos deslocados a um canto de uma galáxia espiral, invisíveis a partir do núcleo central, em torno do qual giram bilhões de estrelas, muitas das quais com planetas ao seu redor e com suas humanidades que podem pensar também que são senhores da criação e donos da verdade.  


OS  GRANDES  DESAFIOS  DA  MENTE

A ciência nos aproxima da natureza, dos mistérios insondáveis do cosmo e nos transporta a uma percepção do mundo que pode ser também profundamente espiritual. Albert Einstein  (1879-1955) justificava sua devoção a ciência como ‘sentimento religioso cósmico’. Numa contemplação retrospectiva utilizando o raciocínio e a razão, poderíamos concluir que a fé obrigatoriamente necessita estar condizente com nossa existência desde as cavernas ao homem espacial. Fé e ciência caminhando juntas. Obviamente nesse pensamento não estão incluídos aqueles que acreditam simplesmente que tudo é parte de uma evolução da matéria e que não existe nada além disso. Darwin pensava assim numa ampla idéia de um determinismo genético. Wallace ao contrário, buscou uma explicação para satisfazer sua espiritualidade. Procurou conhecer antigas filosofias orientais e os recentes estudos e descobertas feitas pelo ilustre cientista e pedagogo, Hippolyte Léon Denizard Rivail- Allan Kardec. Abraçou a idéia de uma evolução também espiritual. Evolução é vida e seria também espiritual para explicar as enormes diferenças sociais, culturais e ações dos seres humanos. Da Terra para o céu, as extraordinárias descobertas de planetas orbitando outras estrelas, confirmando a escola de Epícuro (341 -271 a.C.), o poeta romano Titus C. Lucretio (97 -55 a.C.), o astrônomo e filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), o escritor francês Bernard Le Bovier de Fontenelle (1657-1757 e mais recentemente o astrônomo francês Camille Flammarion (1842-1925) de que existem infinitos mundos habitados, atualmente ninguém mais duvida disso. Os cientistas acreditam que podem haver civilizações lá fora e quando chegar aos nossos potentes radiotelescópios aquela tão aguardada mensagem : também estamos aqui ! surgirá uma nova era para a humanidade que irá deitar abaixo a crença milenar de que somos seres de uma civilização especial, donos da verdade, centro da criação e eleitos de Deus. A astronomia nos mostra que somos engrenagens microscópicas, um grão de poeira em um vasto universo que existe há bilhões de anos antes do aparecimento do Sol, da Terra e dos humanos e que ele seguirá adiante muito bem sem nós. O universo é um celeiro de vida.  Indiferente aos anseios e ambições humanas, está pouco se importando com nosso planeta, nossa existência, nossas conquistas, nossas crenças e nosso futuro. E muito menos com aqueles que crêem que Josué parou o Sol ! A origem das origens está além da astronomia e talvez além da filosofia no reino do que é para nós, o Incognoscível.

O autor é astrônomo e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
                      

CAMILLE FLAMMARION

No  Ano  Internacional  da  Luz,  a  comunidade  astronômica celebra,  

CAMILLE FLAMMARION(1842-1925)



Nelson Travnik
nelson-travnik@hotmail.com

Astronomia lembra este ano o 90º aniversário do seu desenlace. “O corpo passa. A alma vive no infinito e na eternidade”. (C.Flammarion)

     No contexto do Ano Internacional da Luz, proclamado pela ONU-UNESCO,a comunidade astronômica de todo o mundo, especialmente a francesa, reverencia em 3 de junho a memória de Camille Flammarion,  um  dos maiores divulgadores da astronomia de todos os tempos. Astrônomo, sábio e filosofo,   o  “Mestre de Juvisy”, o “Poeta do Céu”, partiu para a espiritualidade vítima de uma crise cardíaca aos 83 anos, 3 meses e 8 dias. Numa manhã ensolarada onde a vida irradiava nas flores e nos cantos dos pássaros, levantou-se da mesa em que trabalhava com seu sobrinho Charles e aproximou-se da janela para contemplar o jardim  do  Observatório.  Gabrielle  Renaudot Flammarion,  sua  dedicada esposa  acompanhou-o  e  ele,  sentindo  sua  presença, murmurou, balançando a cabeça encanecida : “Como é belo o mundo! Como é bela a vida!” Depois, voltou-se e olhou-a carinhosamente. De repente, seu rosto crispou-se e ele disse apenas : “meu coração” e em seguida “que mistério é a vida, que mistério é a morte”. Tombou nos braços de Gabrielle. Poucos minutos antes,  corrigira as provas de seu último livro :  “A Morte e seu Mistério”.  Foi  através  da  porta  mágica  da  poesia  que  ele  levou para  a Estrada  de  Urânia, milhares  de  amantes  da  ciência  do  céu.  Como prometeu, seu intuito era trazer ao homem comum as luzes do céu e do conhecimento. Amou a música com tamanha devoção a ponto do grande compositor e amigo Camille Saint-Saens declarar um dia que o astrônomo estava  a  lhe  fazer concorrência.  Quase  todos  os astrônomos  daqueles séculos foram, mesmo sem o pressentir, “crias” de Flammarion.                   
       Todos os anos no dia 3 de junho, membros da SociedadeAstronômica  da  França,  SAF  e  admiradores,  reúnem-se  à  volta  do  seutúmulo no jardim do Observatório, reverenciando sua memória e a grande contribuição à astronomia que mais despertou mentes voltadas ao estudodo céu. Entre seus admiradores estavam o imortal   Victor  Hugo (1802-1885), o grande músico Camille Saint Saëns (1835-1921) e os imperadoresNapoleão III (1808-1873) e D. Pedro II d’ Alcantara (1825-1891) do Brasil.Nosso Imperador, um grande aficionado da astronomia ,foi membro nº 85da  SAF  bem  como  Alberto  Santos-Dumont  (  1873-1932),  tambémaficionado e grandes admiradores de Flammarion.                   
          Após receber de presente o livro “Urania’, D. Pedro  II foi uma das  primeiras  personalidades  a  visitá-lo,  atendendo  convite  para  a inauguração do Observatório de Juvisy-sur- Orge  em 29 de julho de 1887.Nessa ocasião com uma observação do planeta Vênus, inaugurou a luneta de 24 cm com óptica de Bardou, concedeu a Flammarion a comenda da“Ordem  da  Rosa”  bem  como  plantou  no  jardim  do  Observatório  uma muda de cedro do Líbano.  Esta  árvore  existe até hoje e há uma placa alusiva  ao  simpático  gesto  do  nosso  Imperador.  Constatei  isso  quando estive em 17 de setembro de 2011 na reinauguração do Observatório após amplas reformas há muito necessárias. Em março de 1882 fundou a revista L’ Astronomie, que existe até hoje, 133 anos ! Uma efeméride difícil de ser igualada. Em 1887 fundou a Sociedade Astronômica da França, SAF, ainda uma das mais ativas do mundo com milhares de sócios em todo o mundo.É  seu primeiro presidente e assume a direção do Boletim Mensal.  Em 1879  surge  a  primeira  edição  do  seu  livro  “Astronomia  Popular”,  sua grande obra e que lhe valeu o prêmio Montyon em 1880 concedido pela Academia Francesa. Em 1955 sob direção de sua esposa Gabrielle Camille Flammarion,  Secretaria  Geral  da  SAF  e  de  André  Danjon,  diretor  do Observatório de Paris, o livro com 609 páginas é reeditado inteiramente refeito com os conhecimentos atuais da astronomia até aquele ano. Como suplemento ao livro, em 1896 surge “As Estrelas e as Curiosidades do Céu”,uma descrição completa do céu visível a olho nu e de todos os objetos celestes fáceis de observar. O ponto alto do livro com 792 páginas, é a observação de estrelas duplas. Convém lembrar que em 1878 Flammarion havia publicado um Catálogo de Estrelas Duplas Visuais que foi por muito tempo considerado o melhor do mundo. Por essas e muitas outras obras,Flammarion recebeu em 1912 um prêmio da Legião de Honra pela sua contribuição  dada  a  divulgação  da  astronomia.  Em  1899  fundou   o Observatório das Sociedades Eruditas . Flammarion escreveu 55 obras de ciência e filosóficas, Atlas Celeste, Carta Celeste, Planisfério Móbil, Carta Geral da Lua, cartas astronômicas e globos da Lua e de Marte.  Publicou muitos trabalhos de pesquisa na Academia de Ciências de Paris . É curioso atentar  uma relação neste  Ano Internacional  da Luz com o sobrenome ‘FFlammarion’ : na letra e significação galoromana é “aquele que leva a luz”.E realmente levou a luz das estrelas a milhões de pessoas.

REFERÊNCIAS 
L’ Astronomie, revista mensal da Sociedade Astronômica da França.
Camille Flammarion, Astronomie Populaire, edição de 1955
Camille Flammarion, Les Etoiles et les Curiosités du Ciel, edição de 1896.
Camille Flammarion, La Pluralité des Mondes Habités, edição de 1921.
Ronaldo R. Freitas Mourão, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Editora Nova Fronteira, 1995. 

O  autor  é  diretor  do  Observatório  Astronômico  de  Piracicaba,  SP,  e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França. Fundou em MatiasBarbosa, MG, o Observatório Astronômico Flammarion (1954-1976).


quarta-feira, 8 de julho de 2015

2015 - ANO INTERNACIONAL DA LUZ

A Assembléia  Geral  da  Organização  das  Nações  Unidas  no  dia  20  de dezembro de 2013, proclamou 2015 como o “Ano Internacional da Luz” e das tecnologias baseadas na Luz. A cerimônia de abertura foi aberta no dia 19/20 de janeiro.

MOTIVOS

A Assembléia indicou entre outras coisas que reconhece a importância da luz no desenvolvimento de tecnologias relacionadas na vida dos cidadãos do mundo em vários níveis. Considera também que as aplicações da luz relacionada ao futuro da medicina, energia, fibras ópticas e  Astronomia entre outras, é vital para o progresso da humanidade. Por fim considera que 2015 coincide com uma série de importantes efemérides na história da  ciência  com  relação  à  luz  como  os  trabalhos  de  óptica  de  Ibn  Al-Haytham em 1015 (ano do milênio) ; a noção ondulatória da luz proposta por Fresnel em 1815 (ano do bi-centenário) ; a teoria eletromagnética da propagação  da  luz  proposta  por  Maxwell  em  1865;  a  teoria  do  efeito fotoelétrico de Einstein em 1905 e da relação da luz na cosmologia através da  Relatividade  Geral  em  1915  (ano  do  centenário)  ;  a  descoberta  da radiação cósmica de fundo por Penzias e Wilson em 1965 bem como os trabalhos  de  Kao  concernente  a  transmissão  da  luz  em  fibras  para comunicação óptica também  em 1965.

NA ASTRONOMIA

Logo  após  a  publicação  da  resolução  proclamando  2015  como  o  “Ano Internacional da Luz”, a União Astronômica Internacional, IAU, se envolveu de pronto criando o subtítulo “Luz do Cosmos” como uma oportunidade única  para  envolver  debates  e  soluções  para  o  problema  da  poluição luminosa que envolve o desperdício de energia e danos a qualidade do céu prejudicando as atividades de pesquisa dos observatórios. Um vídeo da IAU disponível em seu website enfatiza que “A luz vem de qualquer lugar do  Cosmos.  Esta  luz  está  conosco  todos  os  dias.  A  luz  nos  chega  das distantes fogueiras cósmicas e inspirou-nos por milhares de anos. É a luz do  Sol  que  responde  por  todas  as  manifestações  de  vida  na  Terra.Observações  da  luz  do  Cosmos  iniciaram uma revolução  científica.  Em 2015, cientistas, astrônomos e o público se reunirão novamente como no Ano Internacional da Astronomia em 2009, para levar a ciência do céu à população e  propor  medidas para reduzir  a  poluição luminosa  e assim celebrar a Luz dos Cosmos que chega até a Terra”.

Em 1925 A. Einstein esteve no Brasil, ocasião em que visitou o Observatório Nacional do Rio de Janeiro e o meteorito de Bendegó no Museu Nacional

TAMBÉM EM 2015
Estaremos comemorando entre outras:
100 ANOS da previsão de Percival Lowell sobre a existência do Planeta anão (planetóide) Plutão;
90 ANOS do falecimento de Camille Flammarion (1842-1925);
30 ANOS de inauguração do Observatório Municipal de Americana/SP, o 2º do Brasil nesta modalidade.

ESTARÁ SENDO REALIZADO EM BELO HORIZONTE/MG
O 18º Encontro Nacional de Astronomia, ENAST , de 30 a 31 de novembro na Universidade FUMEC .

Nelson Travnik, astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, órgão da Secretaria Municipal de Educação e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França, SAF.

terça-feira, 7 de julho de 2015

A GRANDE POLÊMICA DOS CANAIS EM MARTE

Nelson Travnik

CANALISTAS  X  ANTICANALISTAS 

O que levou astrônomos de renome a ver uma rede de alinhamentos em Marte sugerindo obra de uma civilização?

Desde sua existência nesse planeta, o homem não quer viver só. Odeia a solidão. Com o tempo, ampliou essa solidão para muito além da Terra, para os astros do universo, algo que perdura até hoje.  Após a invenção da luneta pelo óptico alemão, naturalizado holandês, Hans Lippershey (1587-1619) e o seu emprego pela primeira vez no estudo do céu por Galileu Galilei (1564-1642) em 1609, passamos a construir instrumentos cada vez maiores no afã de conhecer melhor os outros planetas e descobrir neles algum vestígio de vida.       
E o melhor candidato revelou-se ser Marte, o Planeta Vermelho. A escolha era óbvia: a duração do dia muito parecido com o nosso (24h 37m 23s), também a inclinação de 24° 46’ do equador em relação a órbita (Terra : 23° 27’) determinando estações do ano , duas alvas calotas polares e tem satélites como a Terra. Isso motivou o inicio de uma polêmica centenária que começou na verdade em 1860, aqui no Brasil, com o astrônomo Emmanuel Liais (1826-1900) contratado por D. Pedro II para dirigir o Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Ele argumentava que as manchas escuras vistas em Marte eram resultado da presença de vegetação. Contudo foi na grande aproximação de 1877 com o astrônomo italiano Giovanni Virginio Schiaparelli (1835-1910), então diretor do Observatório de Brera ,que um fato novo surgiria.   A aproximação de 1877 no dia 5 de setembro colocou Marte há “apenas” 56.550.000 km da Terra.  Observando o planeta com uma luneta “Merz” de 22 cm, anunciou a descoberta de sulcos e acidentes retilíneos em sua superfície. Chamou as manchas escuras de “mares” e outras de “estreitos” e “canais”, este último indicando que poderia ser tanto uma configuração natural do terreno como uma construção artificial. O estopim estava aceso. Restava apenas outros astrônomos confirmarem os canais e encontrar os habitantes  de Marte !

          Como as calotas polares desaparecem quase por completo no verão marciano, para muitos estava claro que, para um relevo árido e desértico, esses canais eram obra de uma civilização agonizante que os construíram para, a partir dos pólos, irrigar o planeta. O assunto começou a tomar tal dimensão, que o governo italiano presenteou Schiaparelli com uma grande luneta de 49 cm da firma alemã “Merz-Repsold”. Enquanto o italiano limitou-se a relatar “canali” como interpretação puramente hipotética, Camille Flammarion (1842-1925) conclui com entusiasmo: “Essa rede singular de linhas retas, de milhares de quilômetros de comprimento só pode ser uma obra de arte; prova a existência, em Marte, de criaturas racionais, de extraordinária capacidade produtiva e inteligência muito superior a nossa”. Inflamado pela opinião de Flammarion, Schiaparelli deixaria também se envolver por ela.  Flammarion dispunha em seu Observatório de Juvisy de uma excelente luneta com objetiva de 24 cm de diâmetro construída por Bardou. Juvisy não era somente um observatório mas um centro de cultura com vasta biblioteca e convergência de astrônomos e intelectuais da época. D. Pedro II astrônomo amador, era um desses intelectuais e foi convidado de Flammarion para inaugurar o Observatório de Juvisy em 1877. Era difícil não se deixar envolver pelo fascínio que tal hipótese exercia. E, de fato, ela foi rapidamente adotada pela opinião pública.
               A partir daí, rios de tinta e toneladas de papel foram consumidos  contagiando escritores e astrônomos. Muitos não concordavam com essa teoria argumentando serem os traços retilíneos um alinhamento ilusório tendendo a geometrizar-se pela distância. Estava inaugurado o ciclo de acirrados debates entre canalistas x anticanalistas.

A idéia alimentada por Flammarion apaixona um milionário diplomata californiano, Percival Lowell (1855-1916) que resolve abandonar a carreira para construir em uma zona semi-desértica do Arizona, a 2.300 m de altitude, o Observatório Flagstaff,  o seu “Castelo de Marte”, instalando uma luneta de 49 cm e mais tarde uma outra de 61 cm, fabricada por Alvan Clark (1832-1897). Ele dedicou sua fortuna e 15 anos de vida a esse projeto. Em 1895 em seu livro “Marte”, elabora um planisfério e atesta a presença  de 184 canais ! Em 1896 ele escreve: “Marte era verdejante; hoje é um deserto. Os marcianos lutam contra essa fatalidade”. Em 1906  em seu livro “Marte e seus Canais” indica que eles haviam sido construídos por seres inteligentes formando uma extensa rede de distribuição. No livro ele atesta a presença de mais canais em um planisfério realizado em 1905. Em seus livros “Mars as the Abode of Life” (1908) e “The Evolution of Worlds” (1909), ele confirma a existência de mais canais e para ele não há duvida: esses canais são retilíneos demais e só podem ser artificiais construídos pelos marcianos para lutar contra uma devastadora seca. Finalmente surgiam nossos irmãos do espaço!          
        Lowell para compensar condições atmosféricas desfavoráveis objetivando tranqüilidade na imagem, utilizava a prática de diafragmar o diâmetro da objetiva de 61 para 38 cm. Essa técnica é ainda comum na observação planetária e para tal existe uma escala do “seeing” que determina a qualidade da transparência atmosférica. A máxima aproximação (oposição periélica) de 1909 foi intensamente observada por Lowell e a última pois ele faleceu repentinamente em 1916 com apenas 61 anos, convencido de que Marte era habitado por seres mais evoluídos que nós e que haviam construído uma rede hídrica para aproveitar a pequena quantidade de água disponível. A obstinação de Lowell era explicável: no século XIX, os canais eram de importância crucial para o comércio internacional e o maior deles, o de Suez, constituía uma marca da inteligência humana. Se os humanos construíam essas obras monumentais, então não seria surpreendente que os marcianos fizessem o mesmo. Aqui mesmo no Brasil, guardada as devidas proporções, não estamos construindo um canal para levar água do rio São Francisco às regiões áridas do nordeste?  Apesar de ter errado sobre a existência de canais e vida inteligente em Marte, ele arriscou uma previsão em 1915 sobre a existência de um outro planeta além de Netuno, estudando matematicamente as perturbações deste e de Urano. A teoria de Lowell foi comprovada em 18/02/1930 por Clyde Tombaugh com a descoberta de Plutão. Foi o maior legado de Lowell a astronomia.
             Todavia a opinião de Lowell sobre Marte não encontrou respaldo aquela época com as observações feitas pelos astrônomos Edward Barnard (1857-1923) utilizando a grande luneta com objetiva de 89 cm do Observatório Lick, (doação do milionário californiano James Lick) em 1888 e em 1892 com John E. Mellisch utilizando a luneta com objetiva  de 101,6 cm, a maior do mundo até hoje, do Observatório Yerkes, doada pelo milionário e homem de negócios de Chicago, C. T.  Yerkes. Ambas objetivas foram construídas pela firma norte americana Alvan Clark & Sons. Os dois  astrônomos em aproximações favoráveis não conseguiram ver o que Lowell havia desenhado.
           Em 1893 entra em cena no Observatório de Meudon, França,  uma grande luneta com objetiva de 83 cm  construída pelos irmãos Paul e Prosper Henry. Ainda hoje a maior da Europa e a terceira do mundo, foi então utilizada pelo renomado astrônomo Eugène Michael Antoniadi (1870-1944). Apesar de amigo de Flammarion a quem chamava “caro mestre”, ele deduziu em 1920 que os canais vistos pelo amigo e por Lowell, eram completamente ilusórios e que “eles desagregam em inúmeros traços irregulares”. Convém notar que Antoniadi realizou os melhores mapas de Marte antes das sondas espaciais. Contudo, decifrar àquela época os enigmas marcianos era extremamente difícil, uma vez que mesmo vendo esse planeta mais próximo, não vemos melhor que a Lua a olho nu. Quem tentar enxergar alguma coisa na Lua a olho nu, compreenderá o problema de Marte.
           Marte nas condições mais favoráveis e com os maiores telescópios,  os “canais” se decompunham  em granulações e traços irregulares, mostrando que os mesmos eram mero fenômeno de óptica. Foram pois os olhos os inventores da rede de canais. 
        Apesar da relutância de alguns em aceitar as conclusões de Antoniadi, a entrada em cena de telescópios cada vez maiores como os de Monte Wilson e Monte Palomar nos EUA, mostrava difícil a existência dos canais. Mas faltava o golpe final e ele veio com as sondas americanas Mariner 4 em 1965 e com as  Mariner 6 e 7  em 1969. A primeira obteve 21 fotografias, a segunda 76 e a terceira 126. Pela primeira vez mostraram enormes cones de extintos vulcões, um sem número de crateras de impacto e uma paisagem desértica. Dos canais e dos marcianos nem sinal! Os anticanalistas venceram! Estava encerrado finalmente um dos mais acirrados e calorosos debates na história da ciência.

Anote: A próxima oposição periélica de Marte está marcada para o dia 27 de julho de 2018. Seu disco em segundos de arco será de 24.1” e ele estará distante da Terra 0.386 UA (Unidades Astronômicas) ou 57.900.000 km
Referências
L’ Astronomie, revista da Sociedade Astronômica da França, dez. 1975
L’ Astronomia , revista Edizioni Media Press, maio 1984 e dezembro 1995
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão,2ª edição, editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ.

Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.