domingo, 31 de dezembro de 2017

2017 / 2018 - ANO QUE FOI , ANO QUE VEM . ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

Por Nelson  Travnik* - nelson-travnik@hotmail.com
Na próxima  segunda-feira, dia 1º, dia da Confraternização Universal, a estonteante velocidade media de 29,5 km/s,  nosso planeta irá percorrer nesses 365 dias, 942,4 milhões de quilômetros em sua orbita ao redor do Sol, algo que em linha reta nos levaria além do planeta Júpiter. Isso permite algumas reflexões sobre  espaço, tempo e vida .
No mundo atual, como estranhos em seu próprio habitat, multidões não se interessam em saber afinal o que são, onde estão, para onde vão e seu destino final. A maioria vive porque respiram e se contentam com o preconizado pelas religiões, sem questionar o que lhe é imposto pelos livros sagrados. Advindo qualquer infortúnio, é a vontade de Deus.  É mais cômodo viver assim. Infelizmente não se dão conta que estão entorpecidos pelo sistema que as transforma em máquinas de consumismo como símbolo da felicidade. Um sistema inserido na sociedade que as utiliza e descarta como objetos. Seu dia-a-dia é preenchido pela chupeta eletrônica e por infindáveis conquistas tecnológicas que todavia a prende a um emaranhado de dúvidas sobre sua própria existência. O ser humano vive a Era Espacial de grandes realizações científicas mas ainda não aprendeu a encontrar a grandeza de sua pequenez e da sua estupidez.
Continuamos a ser um enigma, uma gota num oceano de incertezas que por um instante aparece e dissipa como bolhas de sabão que as crianças fazem flutuar no ar. Poucos são cônscios de que a sabedoria do ser humano não está no quanto ele sabe, mas no quanto ele tem consciência de que não sabe. É preciso portanto ter humildade para compreender o mundo insondável da psique humana; que somos ínfima partícula na vastidão cósmica e que o universo estará ignorando quando o Sol, nosso habitat e os demais planetas um dia desaparecer sem testemunha do último gemido. Pura ilusão é pois achar que somos o ápice da civilização. Os egípcios, os romanos, só para ficar nesses dois exemplos, cultuavam o mesmo pensamento. O que sobrou dessas civilizações? Ruínas, pedras e pó. No universo, nascimento e morte estão sempre de mãos dadas. Tudo que é belo um dia morre. Não sentimos o perfume das flores que já morreram.
Somos todos viajantes em uma jornada cósmica, dentro de uma cápsula do tempo, girando e dançando nos torvelinhos e redemoinhos de um universo infinito. O céu nos envolve por todos os lados e a luz de miríades de estrelas que contemplamos, é um monumental concerto cósmico que aconteceu há dezenas, milhares ou milhões de anos. A observação do céu é, por conseguinte, uma experiência de transformação e ampliação da consciência, uma grande elevação espiritual que proporciona uma imensa satisfação íntima e nos ensina que na história da Criação, cem milhões de anos passam como um dia; apagam-se e dissipam-se como fugitivo sonho no seio da eternidade que todo absorve. Mais do que uma mera propriedade lógica de certos enunciados, o conhecimento do cosmos é um poema da vida, um poder espiritual que aprofunda e transforma a nossa visão de nós mesmos. Através da lei universal de ação e reação, causa e efeito, há o equilíbrio do Universo.
Nesse raciocínio e contemplação retrospectiva, surge uma inevitável questão de cunho filosófico : qual é o destino final de todos os seres inteligentes que existiram, existem e vão existir nesse planeta? Somos apenas um cérebro sofisticado que tomba numa sepultura para não ser mais nada? Apenas feitos do pó das estrelas  ?  Nada sobrevive além disso ? Tema de uma milenar discussão, não cabe nesse artigo enveredar por essa questão pois somos engrenagens microscópicas de um mecanismo desconhecido.
*Nelson Travnik é astrônomo e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

MEMÓRIA: A CURIOSA TRAJETÓRIA DE UMA LUNETA POR TRÊS OBSERVATÓRIOS PAULISTAS




Nelson Travnik

Década de 1920. Dois anos somente após a assinatura do armistício com o Tratado de Versailles, impondo a Alemanha exorbitantes reparações de guerra. Os sons do ‘Charleston’ invadem os salões e os Ford ‘bigode’ inauguram os congestionamentos. No Brasil, a cosmografia é parte do currículo escolar e a maioria das pessoas sabem que o Sol é uma estrela e a Lua não tem luz própria. Não há TV, computador e nem sequer o plástico. Em São Paulo, capital, um mapa da cidade mostra as localizações do Observatório de São Paulo – mais meteorológico do que astronômico – na Avenida Paulista nº 69 e o Observatório de São Bento no Alto de Santana. 



OBSERVATÓRIO DE SÃO BENTO

A Ordem dos Beneditinos, resolve montar um observatório astronômico e para isso importa á renomada firma alemã C. A. Steinheil de Munique, uma luneta com objetiva de 175 mm e 2625 mm de distância focal, equipada com micrometro filar, helioscópio de polarização e câmara astrográfica, no valor de 6.000 Marcos-Ouro bem como uma cúpola com 5 m de diâmetro com revestimento externo de cobre e interno de madeira, no valor de 5.000 Marcos-Ouro. A luneta e a cúpula chegam ao Brasil em recibo datado de 15/11/1921, em nome do Rev. Abade Miguel Kruse. Uma outra encomenda constante de duas pêndulas astronômicas no valor de 1.756 Marcos-Ouro é feita à firma alemã de Berlin, Strasser u. Rohde pelo também Abade Miguel Kruse. Elas chegam ao Brasil em 03/05/1924 em nome de O. Ildefons Stehle. Tudo é cuidadosamente montado em um prédio construído pela Ordem no Alto de Santana e denominado Observatório de São Bento por volta de 1930. Um padre de nome D. Theodoro Kok faz parte do projeto. As atividades do Observatório não são conhecidas, mas a sua importância é refletida pela observação do eclipse lunar de 28/10/1939 mencionado pelo Dr. Alypio Lima de Oliveira (1886-1956), diretor da Diretoria do Serviço Meteorológico e Astronômico

do Estado de São Paulo e autor do projeto do novo Observatório de São Paulo no Parque do Estado, bairro Água Funda. A utilização da luneta Steinheil foi utilizada nesse eclipse pelo Observatório de São Paulo em razão de que, sua luneta Carl Zeiss também com objetiva de 175 mm não estar na época ainda instalado. Por volta de 1940 surge um imprevisto: o monge responsável pelos trabalhos do Observatório, por razões insondáveis, abandona o sacerdócio e abandona tudo. Desapontados pelo episódio e na falta de um substituto à altura, a Ordem decide fechar o Observatório e transfere os instrumentos para um galpão em Arujá. O belo Observatório de São Bento precocemente chega ao fim.


OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO BANDEIRANTE


Em 1951, um astrônomo amador e próspero comerciante na capital, João Octavio Nebias, ciente do abandono dos instrumentos, procede a compra de todo o patrimônio por Cr$50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), segundo depoimento prestado por ele ao astrônomo Paulo Marques dos Santos do IAG-USP. O novo proprietário instala então em 1952 nos fundos de sua residência à então na época, rua Estrada da Cantareira nº 3344, o seu Observatório Astronômico Bandeirante que é registrado sob nº 267.514 na Empresa Mercúrio de Marcas e Patentes Ltda., no dia 24/05/1954. Na instalação dos instrumentos recebeu auxílio do insigne astrônomo Abraão de Morais (1917-1971) e do prof. A. Schutz. O Dr. Alypio Leme de Oliveira é também um dos que visitam o Observatório atestando assim a importância de suas instalações. Pouco se conhece sobre os trabalhos do Observatório e, mais tarde, as luzes da cidade vão gradativamente se aproximando do Observatório. É cogitada então a transferência do Observatório para a Fazenda Bom Jardim da família. Para lá é levada a parte óptica da luneta e acessórios. Mas João Octavio Nebias doente e em idade avançada vem a falecer não vendo o projeto ser realizado.


OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO DE PIRACICABA

Soube da existência do Observatório Bandeirante em 1986 graças ao colega do IAG-USP, Paulo Marques dos Santos. Por duas ocasiões fui visitar o Observatório em companhia do colega de Americana, Guilherme Grassmann. Àquela época encontramos o Observatório já desativado e seu proprietário já bastante idoso. Em 1989 soubemos do seu falecimento. Segundo sua esposa, todo o patrimônio do Observatório estava sob os cuidados do herdeiro, José Octavio Nebias. Em contato com ele, adiantou disposto a vender tudo uma vez que ninguém da família se interessava na utilização dos instrumentos. Acertamos então um preço para a luneta cujo recibo é datado de 30/08/1991. Não fiquei sabendo do destino das duas pendulas astronômicas bem como um cronometro de marinha adquirido posteriormente pelo proprietário. Na ocasião, a aquisição do refrator só me foi possível com a venda de um terreno que possuía na cidade de Matias Barbosa, MG, ode vivi de 1944 a 1976 e onde havia fundado o Observatório Astronômico Flammarion (1954-76). Houve certa relutância na venda da luneta pois ela estava atrelada a cúpula de 5 m e era desejo vende-la junto com o mesmo. Não dispondo de mais recursos, prometi ao Sr. José O. Nebias que iria encontrar um comprador para ela o que de fato aconteceu com a implantação do Observatório Municipal de Diadema para o qual foi vendida a Prefeitura e que se encontra lá até hoje. A primeira oportunidade de instalação da luneta Steinheil foi para um projeto do Clube de Astronomia de Vinhedo, CAV, presidido pelo físico e colega, Paulo Bedaque Sanches, visando a construção de um observatório municipal naquela cidade. Levado ao prefeito José Carlos Gasparini, o projeto foi encaminhado à Câmara Municipal e aprovado por 10 votos contra 4. Houve até escolha do terreno e lançamento da Pedra Fundamental, mas logo tudo ficou esquecido. Mais tarde soubemos que haviam utilizado o projeto do observatório para outras finalidades ... decerto lucrativas. Mas ás vezes como muito bem diz o ditado, “não há nada como um dia depois do outro”, no início de 1992, graças ao empenho da Associação dos Astrônomos Amadores de Piracicaba, AAAP, e da ESALQ – USP em ceder o terreno, o prefeito José Machado resolve construir o Observatório Astronômico de Piracicaba que é inaugurado em 02/10/1992 contando com a luneta Steinheil, uma cúpola de 4.80 m de diâmetro, biblioteca e material pedagógico por mim oferecidos. O Observatório que viu seu nome ampliado para Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum, OAPES, homenageando assim seu fundador já falecido, completou em 2017, 25 anos de atividades ininterruptas com uma invejável folha de serviços prestados as escolas, população, turismo bem como trabalhos científicos. A luneta Steinheil, exemplo notável de mecânica fina com óptica excepcional, único dessa marca e porte no País, leva o nome de João Octavio Nebias e do seu Observatório Astronômico Bandeirante.        

Referências:
SANTOS, Paulo Marques. IAG - Memória sobre sua Formação e Evolução, Editora Eduasp, USP,2005
TRAVNIK, Nelson Alberto Soares. Uma Luneta Única no Brasil, Uranometria Nova, SP, 28/01/2008
TRAVNIK, Nelson Alberto Soares. A História Desdobrada do Observatório de São Bento, revista Astronomy Brasil, 2007.

Nelson Travnik, é astrônomo responsável pelo OAPES e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.