segunda-feira, 6 de abril de 2015

Há cem anos, um dos postulados da RELATIVIDADE DE EINSTEIN ERA CONFIRMADA NO BRASIL

No contexto do Ano Internacional da Luz proclamado pela ONU, o mundo celebra o centenário da versão final da Teoria da Relatividade Geral do físico  alemão  Albert Einstein (1879-1955).  Para  o leigo  possa  parecer estranho a relação que existe entre a teoria do alemão e o nosso País. Mas saibam que ele em 1925 esteve por duas vezes no Brasil.

O trabalho mais influente de Einstein foi a Teoria da Relatividade Geral que descreve a distorção do espaço-tempo na presença de um forte campo gravitacional.  O âmago desse postulado, é que a gravitação não é uma força como Isaac Newton (1642-1727)  concebeu mas um campo curvo no espaço-tempo-contínuo,  criado  pela  presença  de  um corpo  massivo.Enquanto  na  teoria  de  Newton  somente  a  massa  contribui  para  a gravidade,  na  teoria  de  Einstein  ele  introduz  o  tempo  como  quarta dimensão. Assim, o espaço e o tempo unidos, por meio da velocidade da luz  numa  só  realidade  física. Para ele,  o  tempo  e  o  espaço  não  são categorias absolutas como se imaginava  mas dependem da posição e da velocidade  em  que  se  encontra  o  observador.  O  nome relatividade resultou disso e a  teoria previa que até a luz poderia ser atraída por um forte  campo  gravitacional.  Essa  tese  poderia  ser  comprovada  (ou  não)medindo a deflexão da luz das estrelas quando elas passassem próximas ao  bordo  solar  e  o  momento  de um  eclipse  total  do  Sol  seria especialmente adequado para isso. Contudo  isso não era novidade poisem 1803 um astrônomo alemão, Johann Von Soldner já havia suposto que a luz fosse feita de partículas e tinha calculado o desvio do raio luminoso vindo de uma estrela distante ao passar bem perto do Sol. Ele calculou o ângulo  do  desvio  em 0,84”  e era  tão  pequeno  que  sem  o  recurso  da fotografia inventada somente em 1830, essa comprovação era impensável.Por isso a comunidade científica da época ignorou a hipótese de Soldner. Em ciência as teorias precisam ser comprovadas experimentalmente.


VÁRIAS  TENTATIVAS 


Depois que Einstein anunciou que a observação da trajetória da luz das estrelas  distantes em  um  eclipse  total  do  Sol  poderia  comprovar  sua teoria,  E. Freundlich do Observatório de Potsdam, Alemanha, examinou antigas placas de eclipses totais do Sol para ver se isso era verdadeiro. Não encontrou nada. É importante assinalar que a primeira tentativa foi feita no  Brasil  no  dia  10  de  outubro  de  1912.  Dela  se  incumbiu  a missão argentina do Observatório de Córdoba instalada na localidade de Cristina,MG.  Objetivas  e placas  fotográficas  para  este  fim  foram enviadas  pelo astrônomo W. Campbell  do Observatório Lick, EEUU. Importa lembrar a enorme repercussão deste eclipse quando seis missões de  outros países(2 inglesas, 1 francesa, 2 argentinas e 1 chilena) e duas brasileiras (ON e Observatório  de  São  Paulo)  se  deslocaram  para  as  cidades  de Passa Quatro, Alfenas e Cristina,MG e Cruzeiro do Sul, SP. Portanto, a missão de fotografar a deflexão da luz ficou restrita somente a missão argentina em Cristina. As outras se concentraram no estudo e estrutura da coroa solar afim de constatar, entre outros objetivos,  a existência de um elemento desconhecido chamado ‘coronium’ que era responsável por certas linhas do espectro solar mais tarde identificadas como íons principalmente os de ferro que produziam estas linhas. Infelizmente todo esse esforço nacional e internacional foi em vão pois o tempo não ajudou e choveu. Uma outra oportunidade  ocorreu  em  21  de  agosto  de  1914  na  Criméia  mas  foi interrompida pela deflagração da 1ª Guerra Mundial. Uma equipe alemã viu-se prisioneira do exército russo e franceses e ingleses regressaram aseus respectivos países.

Nova oportunidade aconteceu em 3 de fevereiro de 1916  e o astrônomo Enrique  Claudet na localidade  de  Tucacas,  Venezuela,  apesar  do  céu coberto com nuvens,conseguiu algumas fotografias  que não resultaram satisfatórias  para  comprovação  da  teoria. Outro eclipse  total  do Solo correu em 8 de junho de 1918 mas no momento da totalidade muitas nuvens cobriram o céu.


EM PLENO SERTÃO CEARENSE 


A próxima oportunidade para comprovação do chamado “Efeito Einstein”seria o eclipse de 29 de maio de 1919, não somente pela sua duração de 6 minutos  e  14  segundos  (o máximo  de  duração  é  de  7  minutos  e  58 segundos se ocorrer em região equatorial) mas porque o Sol estaria numa região  rica  de  estrelas  brilhantes  na  constelação  do Touro.  A  faixa  de totalidade  passaria  pelo  Brasil,  ganharia  o  oceano  e  passaria  pela Ilha Príncipe no Golfo da Guiné, afastada 192 km da costa oeste da África. No lado brasileiro foi o diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, ON, Henrique Morize, quem sugeriu a pequena cidade de Sobral, Ceará, para observação do fenômeno. Para acertar detalhes, uma equipe inglesa do Real  Observatório  de  Greenwich  chefiada  por Andrew  Claude  de  La Cherois Crommelin (1865-1939) veio ao Brasil e ficou acertado que caberia ao ON coordenar as expedições a Sobral.




EM  SOBRAL


A expedição brasileira contou com os astrônomos Allyrio H. de Mattos,Henrique  Morize, Domingos  F.  da  Costa,  o  calculador  Lélio  Gama  e  o carpinteiro  L.  Flores.  Do  lado inglês  participaram  os  astrônomos  A.  C. Crommelin,  Charles  R.  Davidson  e  o geofísico  Daniel  Wise  do  Real Observatório de Greenwich. A equipe brasileira instalou um fotoheliógrafo Steinheil   de 10,5 cm de diâmetro com a missão de realizar  estudos e fotografar  a coroa solar e a inglesa um celóstato (luneta vertical de 13”com espelhos) para o teste da possível curvatura do raio luminoso de uma estrela próxima ao bordo solar. Na hora da totalidade as condições do céu foram excelentes tendo sido obtidas 21 fotografias das quais 7 muito boas.O  exame  das  fotografias  possibilitaram  medir  o desvio  da  luz  de  uma estrela em 1,98”. Einstein havia previsto 1,75” e Soldner, já mencionado, em  0,85”.  Estava  assim  provado  que  havia  uma  curvatura  no espaço provocado pelo forte campo gravitacional do Sol. Que a luz de uma estrela pode ser defletida quando passar próxima a um corpo com muita massa.Assim, em pleno sertão cearense o mundo constatou que Einstein estava certo. E porque não dizer também, Soldner.


NA  ILHA  DO  PRÍNCIPE


O eclipse não forneceu resultados como os de Sobral.  Sofreram com o mau tempo e só conseguiram duas boas fotografias das quais apenas uma apresentou imagens de estrelas com valor científico. A equipe inglesa era formada por Sir Arthur Stanley Eddington (1822-1944) que já estivera no Brasil no eclipse de Passa Quatro, MG, e pelo astrônomo Edwin Turner. Eraa  primeira  e  a  mais  contundente  prova  experimental  da  Teoria  da Relatividade Geral. Nos dias seguintes, a comprovação da teoria ocupou as manchetes  dos  principais  jornais  do  mundo.  E  o  “Times”  de  Londres estampou uma manchete curiosa : “Uma revolução na ciência : as idéias de Newton estão arruinadas!” Contudo a confirmação oficial só viria em 9 de  novembro  daquele  mesmo  ano  na  Inglaterra  quando  foi  possível comparar as fotografias feitas em Sobral com as chapas fotográficas das mesmas estrelas na região do céu (constelação do Touro) em que o Sol estivera há seis meses. Mais tarde Einstein diria : “o problema concebido pelo meu cérebro,incumbiu-se para resolve-lo o luminoso céu do Brasil”.


Einstein iluminou a física antiga com a introdução da sua fórmula :  E =mc2, onde E = energia é igual a massa, m, multiplicada pela velocidade da luz c  ao quadrado (luz :300.000 km/s) . Assim, massa e energia passam então  a  ser  duas  grandezas  da  mesma  natureza.  Ela  é  uma  das  mais importantes conquistas científicas do século XX  e durante este ano será alvo de muitas palestras, conferencias,  workshops,  exposições,  cursos e encontros científicos no Brasil  e no mundo. Em Sobral,  Ceará, acontecerão vários eventos no Museu do Eclipse, inaugurado em 29 de março de 1999 para celebrar os 80 anos do mais famoso eclipse na história da astronomia brasileira.  Importante frisar que hoje não é mais necessário esperar um eclipse solar total para comprovar o “Efeito Einstein”. Ele é comprovado por muitas experiências e pela observação dos quasares por meios ópticos e pelos radiotelescópios. Em todos eles, o desvio obtido  coincide com o calculado por Einstein. 

Referências

Einstein no Brasil, Marcomede Rangel Nunes, editora Régis Aló, 2005

Teoria de Einstein é confirmada no Ceará, N. Travnik, Diario do Povo, Campinas, 1989

Observatório Nacional – 185 Anos, Terezinha  J. Rodrigues, MCE Gráfica Editora, 2012

História do Observatório Nacional, Antonio P. Videira, MCE Gráfica Editora, 2007

Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R. de Freitas Mourão,editora Nova Fronteira, 1996

O Eclipse de 1912 e a correspondência entre Morize e Perrine, Raquel S. Oliveira,CNPq.

Encontros e Desencontros na Observação do Eclipse Solar de 10/10/1912, Christina H.Barboza, MAST/MCTI

Agradecimento:  ao físico,  escritor  e astrônomo ,  Paulo Bedaque ,companheiro   emtrês eclipses  totais  do  Sol,    meus melhores agradecimentos  pela   revisão do  texto .



Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP,  e Membro  Titular  da  Sociedade  Astronômica  da  França.