sábado, 30 de setembro de 2017

A MALDIÇÃO DOS COMETAS

Nelson Travnik
Acostumados a regularidade dos movimentos dos astros, nossos antepassados não podiam deixar de surpreender-se com a passagem inesperada de uma bola luminescente com uma cauda luminosa riscando o céu.
Presentes em todas as culturas, a história dessas “estrelas de cauda” é pontilhada de maus agouros. Os povos da antigüidade quando observavam um cometa eram possuídos pelo pavor. Eles surgiam de repente, sem nenhum aviso, de qualquer ponto do céu quebrando assim a harmonia da esfera celeste. Esse fenômeno social, ligando a figura dos cometas a presságios funestos, aparece em todas as culturas formadoras da civilização ocidental. Os babilônios os viam como barbas celeste, os gregos com cabelos esvoaçantes e os árabes como espadas flamejantes. Na Idade Média eram também encarados como espadas, adagas, barbas, cabelos eriçados ou crucifixos voadores.
Parece que os romanos acreditavam seriamente que o grande cometa de 34 a.C., ano da morte de César, fosse a alma do ditador deixando a Terra. Em abril de 1066, o cometa Halley apareceu no momento em que Guilherme, o Conquistador, invadia a Inglaterra. Os cronistas da época são unânimes: os normandos guiados por um cometa invadem a Inglaterra! Os ingleses são efetivamente derrotados na batalha de Hastings e Mathilde, esposa de Guilherme representa a aparição do cometa na celebre tapeçaria de Bayeux. O mesmo cometa Halley surge na primavera de 1456, justamente à época da guerra dos turcos e cristãos dirigida por Maomé e o papa Calisto III. Os cristãos vêem nele um alfanje e os muçulmanos uma cruz. O papa ordena o repicar dos sinos, convida os fiéis a fazerem preces e excomunga o cometa. Em 1519 no México, um cometa apareceu no céu provocando grande temor e Montezuma II que mandou castigar seus astrônomos sacerdotes por não o terem previsto. Os incas no Peru encaravam os cometas como avisos de fúria do deus-sol INTI e supõe-se que para acalmá-lo foram realizados sacrifícios de crianças. O famoso cirurgião Ambroise Paré em seu livro ‘Monstros Celestes’ escreveu que o cometa de 1528 era tão horrível e espantoso que algumas pessoas morreram de medo, outros caíram doentes e era enviado pelos anjos para advertir-nos do pecado. Em 1577 a aparição de um cometa teria envenenado as fontes com seus gases e muita gente e o gado haviam morrido. Na Inglaterra a rainha Elizabeth I foi proibida de olhar o cometa.
Em 1582 um cometa passou sobre a Dinamarca e segundo alguns relatos engendrou monstros horríveis e os que viram foram denominados “os filhos do cometa” e recusados de receber o batismo pelos padres. Um outro cometa, o de 1614, foi visto em Castela com chifres e quatro letras enigmáticas. Em 1618 um cometa gigante teria provocado a terrível peste desse ano. A chegada de um cometa em 1667 constituiu uma ameaça pessoal a Afonso VI, rei de
Portugal que, ao vê-lo, foi para o terraço e descompõe o astro ameaçando-o
com uma pistola! Os cometas parecem ter também exercido um papel de
importância na vida de Napoleão Bonaparte. Um cometa apareceu a olho nu no
dia do seu nascimento em 15/08/1769 e um outro foi visível no dia de sua morte em
05/05/1821.



Em 1910 com a astronomia a ser mais divulgada, a grande aparição do cometa Halley foi marcada por episódios desconcertantes. Nos EEUU, em Oklahoma,
autoridades policiais chegaram no exato momento em que um grupo de fanáticos da seita ‘Select Followers’ iam sacrificar uma jovem para livrar a Terra da ira do cometa. Em muitas cidades, procissões e filas imensas se sucediam
nos confessionários levando os padres a exaustão enquanto na Hungria um cidadão se suicida. O pânico se apodera pelas previsões de que a Terra mergulhada na cauda do cometa seria envenenada uma vez que além de
outros gases presentes na cauda, havia sido detectado o cianogênio, o gás mais mortal que conhecemos. O curioso é que poucos sabiam que nosso planeta em duas ocasiões, 1819 e 1861, já havia atravessado a cauda de um
cometa sem ser molestada. Apesar dos conhecimentos astronômicos atuais, em plena Era Espacial, a superstição e a imaginação popular ainda encontram lugar atribuindo aos cometas sinal de alguma catástrofe eminente ou um aviso
do céu para a vinda de um novo líder espiritual. Em 1970 durante o conflito árabe-israelense, o cometa Bennett causou pânico em uma aldeia árabe cuja população chegou a tomá-lo por um artefato de guerra judeu! Em março de
1997 em San Diego, California, EEUU, 39 pessoas membros da seita ‘Heavens Gate’ se suicidaram na certeza de encontrar um UFO que vinha atrás do cometa Hale Bopp e que os levariam para uma civilização superior à da Terra.
Esses episódios recentes nos levam a acreditar que ainda irão acontecer bizarros acontecimentos ligados a aparição desses astros que nos encantam
sempre com suas aparições.

Nelson Travnik é astrônomo e Membro Titular da Sociedade Astronômica da
França.