domingo, 2 de dezembro de 2018

A BANDEIRA DA REPÚBLICA

ASTRÔNOMOS NÃO FORAM CONSULTADOS
Nelson Travnik
nelson-travnik@hotmail.com
A Bandeira do Brasil é uma das mais belas e sugestivas do mundo e também a única que representa grande parte do firmamento que envolve a Terra. Contudo contém erros grosseiros de astronomia.
Há exatos 129 anos, com a deposição de D. Pedro II, era proclamada a República Federativa do Brasil, então nação considerada de 1º mundo com uma forte economia. Naturalmente a Bandeira do Império introduzida em 1822, teria que ser substituída por outra. A nova Bandeira foi estabelecida pelo Decreto nº 4 de 19/11/1889, mantendo a tradição das antigas cores nacionais e inserindo um céu de puríssimo azul. É a mais bela e completa ilustração já imaginada para uma bandeira nacional, única no mundo que corresponde a uma visão da esfera celeste, inclinada segundo a latitude do Rio de Janeiro, local da Proclamação, às 08h30 do dia 15/11/1889. 






CÉU ÀS AVESSAS

Uma consulta a uma simples carta do céu, mostra que o céu da Bandeira está às avessas. A posição das estrelas não coincide em suas posições e magnitudes aparentes. O erro mais grosseiro é a posição do Cruzeiro do Sul. A posição da estrela épsilon conhecida como ‘intrometida’ e que representa o Estado do Espírito Santo está invertida bem como a constelação do Escorpião. A reação não se fez esperar e na época Eurico de Góis declarou que os que trabalharam na elaboração da Bandeira não interpretaram convenientemente o Decreto nº 4 que exigia que as estrelas fossem dispostas na sua situação astronômica quanto a posição, distância e tamanho relativo. Os legisladores procuraram na ocasião apresentar uma justificativa para amenizar e convencer os leigos que aquele céu visto às 08h30 do dia 15 de novembro estaria refletido na Baia da Guanabara, portanto em pleno dia! Outros argumentaram que era o céu visto fora da Terra sobre o Brasil. A questão foi debatida nos jornais, na tribuna do congresso e até o povo foi instado a opinar. Mas logo tudo ficou esquecido. Mais tarde, a Lei nº 5443 de 28/05/1968 surgiu para justificar o erro, mas nada foi feito. Não só o céu, mas também há erros quanto a faixa com os dizeres ‘Ordem e Progresso’ que alguns afirmam ser o Equador Celeste e outros a Eclíptica (faixa zodiacal onde se deslocam o Sol, os planetas e asteróides do cinturão). Do jeito que está não pode ser nem uma nem outra. Todos os erros astronômicos constam de dois livros: “A Bandeira Nacional” de Eduardo Prado publicado em 1903 e depois pelo IBGE e “A Bandeira Nacional” de Rubens de Azevedo publicado em 1988 pela Edições Tukano – Artes & Literatura.

O QUE FAZER?

O projeto poderia ser realizado corretamente com a tarefa a cargo dos astrônomos do Observatório Nacional que estavam ali pertinho, no bairro de São Cristovão. Porque isto não foi feito? Talvez por puro revanchismo. Os republicanos sabiam que o Imperador era astrônomo amador, amava astronomia, tinha um pequeno observatório no telhado do Palácio Imperial de São Cristovão, hoje Museu Nacional, onde recebia as crianças para palestras e observações, bem como um apartamento no então Imperial Observatório para descansar após horas de observação. Além de custear expedições científicas, adquiriu instrumentos, modernizou o Observatório e contratou astrônomos europeus de renome para aqui trabalhar. Convidado pelo renomado astrônomo francês Camille Flammarion, em 29/07/1877 compareceu para a inauguração do seu Observatório de Juvisy. Na ocasião inaugurou a luneta de 24 cm, plantou nos jardins do Observatório um cedro do Líbano (que existe até hoje!) e concedeu a Flammarion a comenda da “Ordem da Rosa”. Era Membro Titular da Sociedade Astronômica da França e mais tarde foi imortalizado no asteroide ‘Brasília’ descoberto por A. Charlois (1864-1910) no Observatório de Nice, França. Quanto a Bandeira, no inicio o projeto poderia ser alterado e várias consultas foram feitas posteriormente aos astrônomos do Observatório Nacional para uma correção, mas tudo ficou como o estabelecido no Decreto nº 4 de 19/11/1889. A mudança seria simples, poucas pessoas notariam a diferença e o mais importante: mostraria o céu de acordo com o que vemos. Tal pode ser conferido no dia 20 de maio às 20h00 pois a situação se repete com o Cruzeiro do Sul alto no céu no meridiano do Rio de Janeiro. Mas após décadas fica difícil proceder modificações agora que todos estão solidários com a Bandeira. O mais sensato é, portanto, deixá-la como está e considerar então que tudo é simbólico e as estrelas nas constelações estão como se fossem atiradas ao acaso. “Cientes de que nada perfeito, orgulhamo-nos de que a nossa Bandeira contenha lineamentos fundamentais da cultura humana, segmentos de nossa história e projetos permanentes de realizações futuras. A Bandeira aí está mais gloriosa que nunca” (Raimundo O. Coimbra).




Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.


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