Nelson
Travnik
Em
Júpiter foi uma alfinetada. Na Terra teríamos a destruição da
civilização. Há 25 anos o maior evento cósmico da era atual.
Muitas
gerações irão passar sem que seja observado um evento comparável
ao que foi visto em julho de 1994, tendo como palco o gigantesco
mundo de Júpiter. Tudo começou com a descoberta por três caçadores
de cometas, Eugene Shoemaker, sua esposa Carolyn e David H. Levy de
um cometa na noite de 23/24 de março de 1993, utilizando uma câmara
Schmidt do Observatório de Monte Palomar, EUA. No dia seguinte, ao
examinar as fotografias, Carolyn levou um susto: venham ver que coisa
estranha, gritou para os dois companheiros. No filme apareciam
minúsculos pontos brilhantes enfileirados como um colar de pérolas.
A noticia foi repassada em seguida para o astrônomo Brian Marsden,
responsável pela catalogação e descoberta de cometas da União
Astronômica Internacional sediada em Massachusetts, EUA. Ele
identificou e viu que era um cometa. Os cálculos orbitais iniciais
indicavam que ele havia ultrapassado o limite de Roche de Júpiter no
dia 8 de março de 1992 e essa aproximação foi fatal em razão do
imenso campo gravitacional desse planeta. Júpiter é como um
“aspirador cósmico”, sempre responsável por alterar órbitas de
cometas que dele se aproximam, mas dessa vez, contudo, havia
provocado a ruptura do núcleo do cometa em 21 pedaços de 1 a 4
quilômetros de diâmetro e com massa inicial prevista de 10
quilômetros. Com isso sua órbita havia sido alterada e novos
cálculos indicavam que ele estava assumindo uma rota de colisão com
o planeta gigante nas latitudes de 43º e 45º do hemisfério sul
como de fato aconteceu. A partir daí, programas internacionais de
observação monopolizaram astrônomos de todo o planeta. Afinal,
tratava-se de uma oportunidade única de presenciar um evento
planetário passível de só acontecer em centenas ou milhares de
anos.
AS
OBSERVAÇÕES
Não só astrônomos bem como
o telescópio espacial Hubble, a sonda Voyager-2 bem como a Galileu a
caminho de Júpiter – considerada na ocasião a mais favorável
para observação dos impactos – foram monopolizadas para
observação da maior colisão já observada pelo homem. Na ocasião
também a sonda Ulysses sobrevoando o pólo sul do Sol, ficou
encarregada de captar emissões em rádio e ondas de choque dos
impactos. O Hubble fez observações em luz visível e no
ultravioleta. Também os rádio-observatórios foram convocados para
observação dos impactos que poderia resultar distúrbios na
magnetosfera de Júpiter e que poderia resultar num fenômeno visual
do tipo aurora. Os impactos foram calculados para acontecer dos dias
16 a 22 de julho de 1994. Os cometas compostos de rocha, gelo e
poeira, são testemunhas da formação do sistema solar,
antiqüíssimos andarilhos que perambulam entre os planetas. Apesar
do gigantesco volume da coma e da cauda quando gradativamente se
aproximar do Sol, seu núcleo não excede os 23 quilômetros de
diâmetro.
UM
ESPETÁCULO INIGUALÁVEL
Cada
fragmento do cometa deslocando-se a 200 mil km/h aproximadamente 215
vezes mais rápido que um Boeing ou o suficiente para cobrir a
distância Rio – São Paulo em 6 segundos, iriam liberar uma
quantidade de energia 50 mil vezes o arsenal nuclear da época, algo
impensável para os padrões humanos. Os pedaços do cometa
denominado “trem nuclear”, penetraram na espessa atmosfera de
Júpiter a 60 km/seg. e iam sendo destruídos com o hidrogênio,
hélio e outros gases numa imensa explosão. Os 21 fragmentos do
cometa obedeceram numeração e letras. Os dias com horários dos
impactos para o Brasil começou no dia 16 ás 16:50 com o fragmento A
e terminou no dia 22 ás 05:21 com o fragmento W. Um dos maiores
fragmentos, o G colidiu com Júpiter no dia 18 às 04:36 e criou uma
mancha escura com cerca de 12.000 km de diâmetro liberando energia
equivalente a 600 vezes todo o arsenal nuclear do mundo! Telescópios
terrestres observaram a bola de fogo subindo da borda do planeta
pouco depois do impacto inicial. O maior fragmento Q 1 com 3 a 4
quilômetros de diâmetro atingiu Júpiter no dia 20 e o resultado
foi uma explosão apocalíptica, com clarão três vezes maior que o
diâmetro terrestre! O clarão foi de tal ordem que foi refletido nos
satélites Io e Europa, os maiores mais próximos do planeta. O nono
fragmento K foi observado no dia 19 às 07:26 e foi visto pelo
Observatório Anglo Australiano como uma imensa bola de fogo de gás
superaquecido com brilho três vezes maior que o diâmetro da Terra.
No Brasil, o clarão do fragmento L no dia 19 registrado na borda do
planeta às 23:32, somente foi registrado pelos observatórios
Nacional do Rio de Janeiro e Observatório Astronômico de
Piracicaba, SP, e não demorou mais que 3 minutos. Em Piracicaba,
estivemos associados ao programa “Júpiter Comet Watch” da
Association of Lunar and Planetary Observers, ALPO, EUA. Júpiter tem
uma rotação de 9h 55m e vários fragmentos colidiram no lado escuro
do planeta mas foram registrados pela sonda Voyager 2 do seu ponto
privilegiado no espaço. Os efeitos dos últimos fragmentos não
puderam ser registrados devido as gigantescas e espessas nuvens
resultantes das explosões anteriores. Elas permitiram através da
análise espectroscópica, descobrir que a amônia e o sulfeto de
carbono persistiram por 13 a 14 meses após as colisões. Depois de
cada explosão, os astrônomos ficaram intrigados com enormes manchas
escuras oriundas de cada explosão procurando uma razão sobre o que
era feito este material. Elas foram de tal ordem que podiam ser
vistas mesmo com modestos instrumentos. Visíveis por vários meses,
foram desaparecendo gradualmente. Há evidências de que outros
cometas no passado colidiram com Júpiter e seus satélites. Em
Júpiter é impossível ver registro desses impactos em razão da sua
espessa atmosfera, mas fotografias obtidas pelas missões Voyager,
identificaram cadeias de crateras em Calisto e em Ganimedes que só
poderiam ser feitas por cometas fragmentados. A experiência nas
observações foi importante para os cientistas colherem preciosas
informações no comportamento do cometa em sua órbita, durante os
impactos, composição e a dinâmica que reinam na atmosfera joviana,
além de abrir ampla discussão para avaliar as consequências
devastadoras que poderia acontecer fossemos nós os atingidos. Nesse
caso, você não estaria lendo esse artigo.
Nelson
Travnik, é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de
Piracicaba Elias Salum/SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica
da França.
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