sexta-feira, 12 de abril de 2019

O SUICÍDIO DO COMETA SHOEMAKER-LEVY 9


Nelson Travnik
Em Júpiter foi uma alfinetada. Na Terra teríamos a destruição da civilização. Há 25 anos o maior evento cósmico da era atual.
  
Muitas gerações irão passar sem que seja observado um evento comparável ao que foi visto em julho de 1994, tendo como palco o gigantesco mundo de Júpiter. Tudo começou com a descoberta por três caçadores de cometas, Eugene Shoemaker, sua esposa Carolyn e David H. Levy de um cometa na noite de 23/24 de março de 1993, utilizando uma câmara Schmidt do Observatório de Monte Palomar, EUA. No dia seguinte, ao examinar as fotografias, Carolyn levou um susto: venham ver que coisa estranha, gritou para os dois companheiros. No filme apareciam minúsculos pontos brilhantes enfileirados como um colar de pérolas. A noticia foi repassada em seguida para o astrônomo Brian Marsden, responsável pela catalogação e descoberta de cometas da União Astronômica Internacional sediada em Massachusetts, EUA. Ele identificou e viu que era um cometa. Os cálculos orbitais iniciais indicavam que ele havia ultrapassado o limite de Roche de Júpiter no dia 8 de março de 1992 e essa aproximação foi fatal em razão do imenso campo gravitacional desse planeta. Júpiter é como um “aspirador cósmico”, sempre responsável por alterar órbitas de cometas que dele se aproximam, mas dessa vez, contudo, havia provocado a ruptura do núcleo do cometa em 21 pedaços de 1 a 4 quilômetros de diâmetro e com massa inicial prevista de 10 quilômetros. Com isso sua órbita havia sido alterada e novos cálculos indicavam que ele estava assumindo uma rota de colisão com o planeta gigante nas latitudes de 43º e 45º do hemisfério sul como de fato aconteceu. A partir daí, programas internacionais de observação monopolizaram astrônomos de todo o planeta. Afinal, tratava-se de uma oportunidade única de presenciar um evento planetário passível de só acontecer em centenas ou milhares de anos. 

 
AS OBSERVAÇÕES
Não só astrônomos bem como o telescópio espacial Hubble, a sonda Voyager-2 bem como a Galileu a caminho de Júpiter – considerada na ocasião a mais favorável para observação dos impactos – foram monopolizadas para observação da maior colisão já observada pelo homem. Na ocasião também a sonda Ulysses sobrevoando o pólo sul do Sol, ficou encarregada de captar emissões em rádio e ondas de choque dos impactos. O Hubble fez observações em luz visível e no ultravioleta. Também os rádio-observatórios foram convocados para observação dos impactos que poderia resultar distúrbios na magnetosfera de Júpiter e que poderia resultar num fenômeno visual do tipo aurora. Os impactos foram calculados para acontecer dos dias 16 a 22 de julho de 1994. Os cometas compostos de rocha, gelo e poeira, são testemunhas da formação do sistema solar, antiqüíssimos andarilhos que perambulam entre os planetas. Apesar do gigantesco volume da coma e da cauda quando gradativamente se aproximar do Sol, seu núcleo não excede os 23 quilômetros de diâmetro.

UM ESPETÁCULO INIGUALÁVEL
Cada fragmento do cometa deslocando-se a 200 mil km/h aproximadamente 215 vezes mais rápido que um Boeing ou o suficiente para cobrir a distância Rio – São Paulo em 6 segundos, iriam liberar uma quantidade de energia 50 mil vezes o arsenal nuclear da época, algo impensável para os padrões humanos. Os pedaços do cometa denominado “trem nuclear”, penetraram na espessa atmosfera de Júpiter a 60 km/seg. e iam sendo destruídos com o hidrogênio, hélio e outros gases numa imensa explosão. Os 21 fragmentos do cometa obedeceram numeração e letras. Os dias com horários dos impactos para o Brasil começou no dia 16 ás 16:50 com o fragmento A e terminou no dia 22 ás 05:21 com o fragmento W. Um dos maiores fragmentos, o G colidiu com Júpiter no dia 18 às 04:36 e criou uma mancha escura com cerca de 12.000 km de diâmetro liberando energia equivalente a 600 vezes todo o arsenal nuclear do mundo! Telescópios terrestres observaram a bola de fogo subindo da borda do planeta pouco depois do impacto inicial. O maior fragmento Q 1 com 3 a 4 quilômetros de diâmetro atingiu Júpiter no dia 20 e o resultado foi uma explosão apocalíptica, com clarão três vezes maior que o diâmetro terrestre! O clarão foi de tal ordem que foi refletido nos satélites Io e Europa, os maiores mais próximos do planeta. O nono fragmento K foi observado no dia 19 às 07:26 e foi visto pelo Observatório Anglo Australiano como uma imensa bola de fogo de gás superaquecido com brilho três vezes maior que o diâmetro da Terra. No Brasil, o clarão do fragmento L no dia 19 registrado na borda do planeta às 23:32, somente foi registrado pelos observatórios Nacional do Rio de Janeiro e Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, e não demorou mais que 3 minutos. Em Piracicaba, estivemos associados ao programa “Júpiter Comet Watch” da Association of Lunar and Planetary Observers, ALPO, EUA. Júpiter tem uma rotação de 9h 55m e vários fragmentos colidiram no lado escuro do planeta mas foram registrados pela sonda Voyager 2 do seu ponto privilegiado no espaço. Os efeitos dos últimos fragmentos não puderam ser registrados devido as gigantescas e espessas nuvens resultantes das explosões anteriores. Elas permitiram através da análise espectroscópica, descobrir que a amônia e o sulfeto de carbono persistiram por 13 a 14 meses após as colisões. Depois de cada explosão, os astrônomos ficaram intrigados com enormes manchas escuras oriundas de cada explosão procurando uma razão sobre o que era feito este material. Elas foram de tal ordem que podiam ser vistas mesmo com modestos instrumentos. Visíveis por vários meses, foram desaparecendo gradualmente. Há evidências de que outros cometas no passado colidiram com Júpiter e seus satélites. Em Júpiter é impossível ver registro desses impactos em razão da sua espessa atmosfera, mas fotografias obtidas pelas missões Voyager, identificaram cadeias de crateras em Calisto e em Ganimedes que só poderiam ser feitas por cometas fragmentados. A experiência nas observações foi importante para os cientistas colherem preciosas informações no comportamento do cometa em sua órbita, durante os impactos, composição e a dinâmica que reinam na atmosfera joviana, além de abrir ampla discussão para avaliar as consequências devastadoras que poderia acontecer fossemos nós os atingidos. Nesse caso, você não estaria lendo esse artigo.


Nelson Travnik, é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum/SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.

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