Há
cem anos a Relatividade de Einstein era confirmada no Brasil e pouca
gente sabe que os conceitos da ciência no século XX mudaram
radicalmente após um eclipse total do Sol tendo como palco a cidade
de Sobral no Ceará.
Por
Nelson Travnik(*)
A
partir do dia 10 de maio de 1919, a cidade com apenas 10 mil
habitantes foi surpreendida com a chegada de astrônomos brasileiros,
ingleses e americanos. Na Praça do Patrocínio (fig. 1) em frente a
igreja, várias tendas com um arsenal de instrumentos científicos
começaram a ser montadas. Tudo teria que estar pronto para a manhã
do dia 29, dia do eclipse. A equipe brasileira era composta por
Henrique Morize, Domingos Costa, Lélio Gama e Allyrio de Mattos,
todos do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, ON. A inglesa por
Charles R. Davidson e Andrew Claude de La Cherois Crommelin do Real
Observatório de Greenwich e a americana por Daniel Wise e Andrew
Thomson,
comissionados
pela fundação Carnegie Institution de Washington, interessada nos
possíveis efeitos do eclipse sobre o magnetismo terrestre. A equipe
brasileira instalou um fotoheliógrafo Zeiss com objetiva de 10,5 cm
com a missão de fotografar a coroa solar, e a inglesa um celostato
com os dois espelhos direcionados a uma luneta com objetiva de 33 cm
diafragmada para 20,3 cm e uma outra de 10,1 cm, ambas para o teste
da possível curvatura do raio luminoso de estrelas próximas ao
bordo solar.
PORQUE
SOBRAL?
A
faixa de totalidade com 130 km de largura, começou no Peru, Brasil,
Oceano Atlântico, Ilha do Príncipe, África Central e Moçambique.
Após consenso geral, os melhores locais escolhidos foram o Brasil e
a Ilha do Príncipe, (fig. 2). No Brasil, após criterioso exame, os
astrônomos optaram por Sobral em pleno sertão cearense por várias
razões: próxima a linha de centralidade; tempo de exposição da
luz solar que oferecia durante o eclipse; facilidade no transporte
dos instrumentos pela Estrada de Ferro Viação Cearense e pelo apoio
logístico oferecido pelo ON. Sobral encontrou-se, pois, no lugar e
no tempo certo para ser palco de um espetáculo científico que
trouxe profundas repercussões científicas para a humanidade.
O GRANDE DIA
As
atenções do mundo inteiro estavam convergidas para Sobral e a Ilha
do Príncipe. Seria uma oportunidade única para comprovar se a
teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein (1879-1955) estava
correta segundo a qual a luz de uma estrela passando de raspão por
um corpo maciço, no caso o Sol, seria levemente desviada de sua
posição original devido a deformação do espaço pela gravidade do
Sol. Conhecida a posição da estrela antes, durante e depois do
eclipse, essa posição seria alterada devido a força gravitacional
do Sol deformando o espaço (fig. 3). Em Sobral, o inicio do eclipse
estava previsto para às 08:56 com duração de 6 minutos e 14
segundos, um tempo ótimo considerando o máximo previsto de um
eclipse total do Sol
de
7 minutos e 14 segundos. Mas o tempo amanheceu com forte nevoeiro
causando grande apreensão nos astrônomos. Contudo, como num passe
de mágica, 5 minutos antes da totalidade, dissipou-se o nevoeiro
deixando o Sol num campo livre e desembaraçado para a obtenção das
fotografias desejadas. A equipe brasileira obteve 7 chapas e a
inglesa 19 chapas com a luneta de 20,3 cm e 8 com a luneta de 10,1
cm, num total de 27 chapas sendo 8 consideradas muito boas.
As
exposições fotográficas variaram de 5 a 58 segundos. A mais famosa
fotografia foi obtida por Henrique Morize do ON
(fig. 4) mostrando uma grande protuberância chamada “Tamanduá”
pela semelhança com esse animal. Todo o eclipse com as fases
parciais terminou às 10:29.
EINSTEIN
X NEWTON
Segundo
Isaac Newton (1642-1727), os raios de luz não têm massa e não
teriam sua trajetória afetada pela gravidade. Para ele, o
espaço-tempo eram absolutos e não falava nada sobre aceleração e
tampouco sobre a curvatura do espaço. Com a teoria da Relatividade
Geral, Einstein explicou primeiramente um fenômeno que a física
newtoniana não explicava: o avanço do periélio de Mercúrio após
múltiplas órbitas. Entretanto, para derrubar Newton de seu pedestal
intocável por mais de três séculos, a comunidade de físicos
exigiam mais. Ademais, Einstein era alemão e os ânimos contra a
Alemanha estavam acirrados em 1919 após o armistício de 1918. Na
Inglaterra muitos olhavam torto para a idéia de patrocinar
expedições a cantos remotos do planeta com objetivo de comprovar a
teoria de um alemão com sua teoria revolucionária e mesmo audaciosa
revolucionando a concepção do espaço-tempo e gravidade.
Entretanto, como a ciência paira sempre acima da estupidez humana, a
Relatividade Geral de Einstein que descreve a distorção do
espaço-tempo quando um raio de luz se encurva, ao passar por um
corpo de muita massa, precisaria ser provado experimentalmente e nada
melhor que um eclipse total do Sol. Segundo Newton, uma estrela atrás
do Sol não poderia ser vista. Einstein dizia que sim e calculou que
o desvio dos raios de uma estrela próxima a borda solar seria de 1.
75” segundos de arco, durante um eclipse total do Sol. Confrontando
com sua posição original, ela se mostraria alterada devido a
deformação do espaço pela força gravitacional do Sol. No eclipse
de 29 de maio o Sol estaria na constelação do Touro (fig.5) numa
região rica de estrelas brilhantes e isso era um fator altamente
favorável para provar a teoria.
A
COMPROVAÇÃO DE EINSTEIN
No
dia do eclipse o tempo esteve chuvoso na Ilha do Príncipe e só duas
chapas foram conseguidas, mas somente uma apresentou estrelas com
resultados precários e bastante incertos. Ela não permitiu a equipe
chefiada por Arthur S. Eddington (1882-1944) do
Observatório Real de Greenwich, provar a contento a teoria de
Einstein. Ao contrário, 8 chapas obtidas pelos ingleses em Sobral
foram consideradas muito boas e 7 estrelas (fig. 5) apareciam nelas.
As medidas deram o valor de 1.98” segundos de arco de deflexão da
luz, muito próximo do previsto por Einstein de 1.75” segundos de
arco. Os resultados confirmando o chamado efeito
Einstein, só foi
possível ao se comparar as chapas do dia 29 de maio com chapas
obtidas posteriormente nos dias 10, 13, 14, 16 e 17 de julho, na
mesma região do céu onde o Sol estivera antes, no mesmo local e com
os mesmos instrumentos. Os resultados foram divulgados em 6 de
novembro de 1919 no famoso encontro da Royal Society em Londres. No
dia seguinte, manchetes ocupavam os jornais de todo o mundo. Na
Inglaterra, particularmente em Londres, o impacto foi enorme e
produziu manchetes como: “A teoria do alemão Einstein suplantou a
teoria do inglês Newton”. No Times: “Uma revolução na ciência:
as idéias de Newton estão arruinadas”! A observação do eclipse
solar em Sobral, foi a primeira comprovação convincente da
Relatividade Geral. Atualmente não se usa mais eclipses solares
totais para comprovação da teoria e sim ondas de rádio emitidas
por quasares e detectadas por rádio telescópios. Mais tarde
Einstein visitou o Brasil de 4 a 12 de maio de 1925, ocasião em que
disse: “O problema
concebido pelo meu cérebro, incumbiu-se de resolve-lo o luminoso céu
do Brasil”.
(*)
Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico
de Piracicaba e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
Referências
– Para conhecer mais
-
Einstein no Brasil, Marcomede R. Nunes, ON, Editora Régis Aló, 2005;
-
Astronomia no Ceará, Rubens de Azevedo, IOCE, Fortaleza, 1986;
-
Correio da Semana, jornal de Sobral, dias 17, 24 e 31 de março e 12 de julho de 1919;
-
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R. F. Mourão, Editora Nova Fronteira, 1995;
-
Testing Relativity from the 1919 Eclipse a question of bias, Daniel Kennefick, American Institute of Physics, 2009;
-
A Determination of the Deflection of Light by the Sun’s Gravitational Field, from Observations made at the Total Eclipse of May 29, 1919, by Sir F. W. Dyson, F. R. S. Astronomer Royal, Prof A. S. Eddington, F. R. S. and Mr. C. Davidson;
-
Observatório Nacional 185 Anos, Terezinha Rodrigues, ON, 2012;
-
História do Observatório Nacional, Antonio A. Passos Videira, gráfica Duo Print, 2007.
Agradecimentos
Ao
Dr. Julio Penereiro, astrofísico do Observatório Municipal de
Campinas Jean Nicolini, pela revisão e sugestões ao presente
artigo.
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