Retrato do Imperador D. Pedro II por Vicente Pereira Mallio
Foto: Paulo Scheuenstuhl |
Nelson Travnik
Como explicar tamanha devoção de D. Pedro II a ciência do céu?
Acredita-se que as primeiras noções de astronomia foram incutidas no
jovem Imperador pelo litógrafo e artista francês, Louis Alexis Boulanger
(1798-1874), um dos intelectuais escolhidos por seu preceptor José
Bonifácio de Andrade e Silva, o “Patriarca da Independência”. Outro
mestre que orientou o Imperador para a astronomia deve ter sido Frei
Pedro de Santa Mariana. Desde cedo nutrindo especial interesse pelas
ciências além de poliglota, adquiriu conhecimentos enciclopédicos que
mais tarde, em 1877, o conduziram a sócio estrangeiro honorário da
‘Academia de Ciências da França, uma honraria alcançada por poucos. Era
um intelectual por excelência e ele mesmo dizia que se não fosse
Imperador gostaria de ter sido professor. Isto se traduz quando em seu
observatório particular no telhado do Paço de São Cristóvão na Quinta da
Boa Vista, recebia estudantes para observação do céu, ministrando
noções básicas de astronomia e orientando no uso dos instrumentos. Em 15
de outubro de 1827 criou por decreto o Observatório Astronômico do Rio
de Janeiro no Morro do Castelo que na realidade só começou a funcionar a
partir de 1846, com o nome de Imperial Observatório. Para alguns, seria
o primeiro do Hemisfério Sul, mas acontece que na torre principal do
Palácio de Friburgo do conde Mauricio de Nassau, na ilha de Antônio Vaz,
próxima ilha do Recife, Pe, Georg Markgraf construiu e inaugurou em 28
de setembro de 1639 aquele que deve ser considerado o primeiro
observatório astronômico do Hemisfério Sul.
O Brasil tem pois uma tradição em Astronomia. Em 1846 foi nomeado para
cuidar da organização do Imperial Observatório o professor da Academia
Militar, Eugênio Fernando Saulier de Sauve. Através de decreto, D. Pedro
II deu forma ao Observatório adquirindo novos instrumentos solicitados
por Saulier, após emprestar seus próprios que utilizava no Paço de São
Cristóvão. Saulier de Sauve morreu em agosto de 1850. Para sucedê-lo foi
escolhido o paulista Antônio Manoel de Mello (1802-1866), professor da
Escola Militar e Tenente Coronel, que já encontrou o Observatório dotado
de completo e moderno instrumental para a época. A sua primeira
realização foi o inicio das publicações técnicas. Em 1852 já se
encontravam impressas as ‘’Efemérides Astronômicas do Imperial
Observatório” bem como os “Annaes Meteorológicos”. Para o cálculo das
efemérides a observação dos astros era imprescindível e para isto D.
Pedro II emprestou um de seus instrumentos. O Imperador estava sempre em
estreito contato com os astrônomos do Observatório e tinha ali um
apartamento para descansar quando resolvia passar a noite em
observações. Além da atenção diária que dedicou ao Imperial Observatório
até o fim do seu reinado, proveu os fundos necessários à importação da
Europa de um mural, análogo ao do Observatório Real de Bruxelas, uma
luneta meridiana e aparelhos magnéticos e meteorológicos.
Discorria com rara competência questões de astronomia e todos eram
unânimes em reconhecer isto. Nessa época pela sua importância podemos
destacar a observação de dois eclipses : os de 1858 e 1865. O primeiro
em 7 de setembro, foi um eclipse total do Sol quando num feito
brasileiro, a fotografia foi empregada pela primeira vez no mundo para
fins astronômicos e astrométricos além do que o Imperador era um
apaixonado pela fotografia. Os resultados da expedição brasileira na
Baia de Paranaguá, PR, foram publicados nos ‘Comptes Rendus’ da Academia
de Ciências de Paris. O segundo de 1865 foi observado de Santa Catarina
cuja faixa de totalidade passava por Camboriú. Três anos depois ocorreu
um eclipse anular do Sol que foi observado por uma equipe enviada pelo
Imperial Observatório. Em 1870 o francês Emmanuel Liais (1826-1900) que
trabalhou no Observatório de Paris ao lado dos renomados astrônomos,
Urbain J. J. Le Verrier (1811-1877), imortal descobridor de Netuno e
Hervé Faye (1814-1902), foi convidado por D. Pedro II a assumir a
direção do Imperial Observatório. Sob os auspícios do império publicou
um importante trabalho: “Tratado de Astronomia Aplicada a Geodesia
Prática” bem como um magnífico livro “O Espaço Celeste” onde faz elogios
a dedicação de D. Pedro II à Astronomia. Importante assinalar que na
administração de Liais veio à tona o problema do ensino da astronomia
que àquela época sofria grande influência dos fascinantes livros do
francês Camille Flammarion (1842-1925). Liais dizia que além do
deslumbramento do céu, cabe ao astrônomo medi-lo dentro de um contexto científico. Fosse isso
endereçado ou não a Flammarion, acontece que o “Mestre de Juvisy”
publicou ao lado de obras filosóficas e romances, vários livros e
publicações científicas. Entre eles o seu “Catálogo de Estrelas Duplas
Visuais”, publicado em 1878, foi durante muitos anos considerado o
melhor do mundo! Indicado por Liais com aprovação do Imperador, o belga
mais tarde naturalizado brasileiro, Louis Ferdinand Cruls (1848-1908)
assumiu a seguir a direção do Imperial Observatório. Em 6 de maio de
1878 aproveitou a passagem de Mercúrio sobre o disco solar para
determinar com grande precisão os diâmetros desses dois astros que
enviado a Academia de Ciências da França, foram publicados a seguir no
‘Comptes Rendus’. Cruls empregou o método desenvolvido por Liais e nas
observações feitas no Rio de Janeiro que teve participação de D. Pedro
II. Com a apoio financeiro dado pelo Imperador, foi possível organizar
três expedições científicas : uma a Punta Arenas, Patagônia chilena,
outra para a Ilha de Santo Tomás nas Antilhas e outra para Olinda, Pe.
para a rara observação da passagem de Vênus sobre o disco solar em 6 de
dezembro de 1882.
Para observar o fenômeno D. Pedro II, ficou na corveta ‘Paraíba’ das 10
às 16 horas em reunião com vários astrônomos. Em 10 de setembro de 1882,
Cruls descobriu no Imperial Observatório um cometa, o 1882 II.
Conhecido como ‘Cometa Cruls’, ele foi exaustivamente estudado por D.
Pedro II e nessa ocasião, ambos efetuaram a primeira análise
espectroscópica de um cometa ! São desse período as revistas “Annaes do
Imperial Observatório”, “Revista do Observatório” e o “Anuário do
Observatório” que até hoje é editado sem interrupção. Em razão dos seus
trabalhos em cometas, Cruls recebeu em 1882 o prêmio Valz de Astronomia,
outorgado pela Academia de Ciências de Paris. Outro cometa, o 1887 I
descoberto em 18 de janeiro pelo astrônomo norte-americano John M. Thome
(1843-1908), em Córdoba, R. Argentina, foi estudado por D. Pedro II que
estimou sua cauda em 50 graus. Esta estimativa ficou registrada na
revista L’ Astronomie da Sociedade Astronômica da França, SAF, ano 1887
página 114. A astronomia segundo Ronaldo R. de Freitas Mourão (1935- )
foi a ponte que reuniu três grandes homens : Victor Hugo, Flammarion e
D. Pedro II.
O Imperador foi um dos primeiros membros da SAF (nº 85), e era amigo
pessoal de Camille Flammarion que o convidou para juntos no seu
Observatório de Juvisy, inaugurarem em 29 de julho de 1887 com uma
observação do planeta Vênus, a grande luneta de 24 cm construída por
Bardou. A revista L’ Astronomie de setembro de 1887 retrata nosso
Imperador realizando essa observação. Acompanhado pelo visconde de Nioac
e Cruls, plantou nos jardins do Observatório uma árvore que existe até
hoje ! Nessa ocasião o Imperador concedeu a Flammarion a “Ordem da
Rosa”. Em 17 de setembro de 2011, convidado para a reinauguração do
Observatório Camille Flammarion, constatei a existência da árvore
plantada pelo Imperador e de uma placa comemorativa. Infelizmente o
interesse de D. Pedro II pela astronomia não era partilhado pelos seus
auxiliares e alguns políticos que utilizavam a imprensa com charges
satirizando o interesse do Imperador pelas coisas do céu o que levou o
Brasil a não participar do projeto internacional da ‘Carta do Céu’. A
região do céu destinada ao Brasil foi fotografada pelo Observatório de
la Plata, R. Argentina. A luneta fotográfica encomendado aos irmãos
Henry na França, doada por D. Pedro II, jamais foi instalada e o que é
pior: em 1910 em relatório assinado por Cruls e Henrique Morize,
informavam a perda total da luneta e acessórios! Nem a fulgurante
aparição do cometa Halley sensibilizou as autoridades. D. Pedro II havia
cedido 40 hectares na Fazenda Imperial Santa Cruz e 60 mil francos (uma
fortuna para a época!) para construção do observatório que incluía uma
luneta inglesa “Cooke” de 32 cm e um circulo meridiano. As instalações
iniciadas em 1889 nunca foram concluídas por motivos óbvios : a
Proclamação da República. Pouco depois, os republicanos não deixaram
desembarcar no porto do Rio de Janeiro instrumentos encomendados pelo
Imperador à Inglaterra. A denominação do Imperial Observatório é a
seguir mudada para Observatório Astronômico do Rio de Janeiro e mais
tarde, em decreto, para Observatório Nacional do Rio de Janeiro cuja
nova sede foi inaugurada em 1922 no bairro de São Cristóvão. No exilio,
na correspondência que mantinha com a condessa de Barral, preceptora de
seus filhos, são encontradas muitas referências à astronomia.
Ele contava das dificuldades pera
realizar seus sonhos, principalmente na instalação de um grande
observatório superior até ao de Nice, na França. D. Pedro II tinha
conhecimento deste Observatório na descoberta de asteroides e
principalmente pela descoberta por Auguste H. P. Charlois (1864-1910) do
planetoide 293 ao qual foi dado o nome de Brasília em sua homenagem, na
ocasião já no exílio. Talvez o reconhecimento e a maior homenagem
prestada a D. Pedro II veio durante o 2º Encontro Nacional de
Astronomia, ENAST, celebrado em Recife, Pe, de 30/6 a 1º/7 de 1978,
quando astrônomos amadores e profissionais, por unanimidade, elegeram-no
“Patrono da Astronomia Brasileira”, segundo moção apresentada pelo Dr.
José Marijeso de A. Benevides. Foi o primeiro passo para que, no dia do
aniversário do Imperador, 2 de dezembro, passássemos a celebrar o “Dia
do Astrônomo”.
Referências
História do Observatório Nacional, Antônio Augusto Passos Videira;
L’ Astronomie, SAF, vários números;
D. Pedro II, Patrono da Astronomia Brasileira, José Marijeso de A.
Benevides, Rubens de Azevedo e José Macedo de Alcântara;
Benevides, Rubens de Azevedo e José Macedo de Alcântara;
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R. F.
Mourão;
Mourão;
Observatório Nacional e a Pesquisa Astronômica no Brasil, Luiz Muniz
Barreto.
Barreto.
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