domingo, 27 de dezembro de 2020

O IMPERADOR ASTRÔNOMO DO BRASIL


Imagem: O Astrônomo por Johannes Vermeer (c. 1668), wikipedia
                          


 

Nelson Travnik

Na  data de 2 de dezembro, os astrônomos brasileiros comemoram o Dia Nacional da Astronomia, o Dia do Astrônomo. A grata efeméride assinala o nascimento de D. Pedro II, numa homenagem ao governante que mais fez pela astronomia no País.  D. Pedro II foi um apaixonado pelas ciências. Em sua residência oficial – o Paço de São Cristovão, que abriga o Museu Nacional alvo de um devastador incêndio em 02/09/2018 – construiu no telhado um observatório e possuía um gabinete com biblioteca, instrumentos astronômicos e espaços para guardar suas coleções particulares de numismática, amostras botânicas e mineralógicas.  Gostava de receber alunos para ensinar astronomia e aprender a observar o céu. Dizia “se eu não fosse imperador desejaria ser professor. Não conheço missão maior que a de dirigir inteligências dos jovens e preparar os homens do futuro “. Acredita-se que tamanha devoção ao céu, veio através do litógrafo e artista francês Louis Boulanger (1798-1874) e de frei Pedro da Santa Mariana (1782-1864). Em todas suas atividades, não escondia sua predileção pela astronomia. Tinha uma quarto privativo no Imperial Observatório  para descansar após horas de observação. O Observatório havia sido criado por seu pai, D. Pedro I. Astrônomos que o conheciam eram unânimes em reconhecer que ele conhecia astronomia a fundo. Modernizou o Observatório doando vários instrumentos seus bem como importando um circulo mural, uma pendula sideral, uma luneta meridiana além de aparelhos magnéticos e meteorológicos. Mas faltava astrônomos de renome e para tanto convidou em 1870 o francês Emmanuel Liais (1826-1912) para assumir a direção do Observatório. Emmanuel Liais ficou no cargo até 1884 sendo substituído pelo belga Louis Ferdinand Cruls (1848-1908). O apoio constante de D. Pedro II a Liais e Cruls, produziram trabalhos de investigação de alto nível reconhecidos internacionalmente. Por outro lado, o imperador mantinha contato estreito com grandes nomes da astronomia mundial entre eles, Camille Flammarion (1842-1925) que o convidou para inaugurarem juntos o seu Observatório de Juvisy em 29/07/1887. D. Pedro II, foi o primeiro brasileiro a figurar como sócio da Sociedade Astronômica da França bem com era também Sócio Honorário da Academia de Ciências de Paris, tendo recebido o título da Magnânimo pela Academia Francesa por jamais ter alimentado dentro de si o ódio, a vingança e a perseguição. Definido pelo grande estadista inglês Willian Gladstone (1809-1898) como “Modelo para todos os soberanos do mundo”, dominava fluentemente sete idiomas e possuía conhecimentos enciclopédicos. Em suas freqüentes visitas a Europa, fazia questão de visitar alguns observatórios procurando se inteirar com as pesquisas e progressos recentes da astronomia. Estava sempre envolvido em novas idéias e descobertas importantes para o Brasil. Como astrônomo amador, D. Pedro II realizou inúmeras observações importantes dentre as quais se destacam a que fez junto ao astrônomo Cruls da primeira análise espectroscópica de um cometa usando equipamento fotográfico pela primeira vez ; observação do eclipse solar de 1857 e a rara passagem de Vênus pelo disco solar em 06/12/1882. A astronomia foi a ponte que reuniu três grandes nomes : Victor Hugo , Camille Flammarion e D. Pedro II. Nosso imperador causou deslumbramentos em intelectuais, escritores e compositores como Camille Saint Sãens e Richard Wagner Este último, quando da inauguração do seu Teatro, o Festspielhaus em 1876, convidou D. Pedro II que compareceu. Em 2011 visitei o Teatro e me foi mostrado o camarote com a cadeira onde ele se sentou. A música também dominava o universo de D. Pedro II. Reconhecendo o talento do campineiro Antonio Carlos Gomes (1836-1896), patrocinou sua ida a Milão na Itália para estudos e aperfeiçoamento. O resultado todos conhecem : o “tonico de Campinas” como era conhecido, tornou-se o maior compositor de óperas das Américas!. Havia encomendado na Inglaterra um grande telescópio que chegou ao Rio justamente por ocasião da Proclamação  da República e os republicanos não hesitaram : mandaram o telescópio de volta ! Já no exílio, o astrônomo Pierre Charlois (1864-1910) do Observatório de Nice, batizou o asteróide nº 291 por ele descoberto com o nome de Brasília em homenagem a D. Pedro II. Exemplo de honestidade ,dignidade e amor a pátria que falta aos homens de hoje, num modesto hotel de Paris com apenas 66 anos, devido a uma pneumonia aguda do pulmão, faleceu aos 20 minutos do dia 05/12/1891. No caixão foi vestido com a farda de General do Exército Brasileiro e coberto com a bandeira imperial. Sua cabeça repousou sobre uma almofada com um pouco de terra do Brasil. Com Honras de Chefe de Estado, o enterro foi acompanhado por uma multidão estimada em 250.000 pessoas, superior ao de Victor Hugo ! Após ser velado na igreja da Madalena, seus restos mortais seguiram para Lisboa onde ficaria até 1921 no Panteão dos Braganças. Neste ano foram trazidos ao Brasil pelo encouraçado São Paulo e depositados na Catedral do Rio e Janeiro. Em 1925 vieram para a Catedral de Petrópolis, na ala destinada a Família Imperial.. Historiadores sérios atribuem a D. Pedro II o título de “O Maior dos Brasileiros” e sua devoção ao céu certamente o levou ao encontro das estelas que tanto amou.

Nelson Travnik, natural de Petrópolis, é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba,SP e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França. 



quinta-feira, 30 de julho de 2020

MEMÓRIA EXEMPLO DE GOVERNANTE PARA O MUNDO


 
A maioria só lembra dele ao ver seu nome inserido em avenidas, ruas, praças, colégios e instituições diversas. Só lembram dele apenas como um velhinho bondoso, sendo banido do País com toda sua família pelo golpe militar de 15 de novembro de 1889. Infelizmente a maioria desconhece muitos fatos relevantes da memória histórica nacional e nesse contexto está a figura excelsa do nosso Imperador D. Pedro II e suas realizações em uma época que os brasileiros se orgulhavam de pertencer a um País de Primeiro Mundo. Depois dele veio o presidencialismo mergulhando o País no Terceiro Mundo, causando mais dissabores do que alegrias.
D. Pedro II, nasceu no Rio de Janeiro, no Paço de São Cristovão, aos 20 minutos do dia 2 de dezembro de 1825 portanto, há 195 anos. Era filho de D. Pedro I e da Imperatriz Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria. Com a abdicação do pai, foi entronizado em 7 de abril de 1831. Por ter apenas 5 anos, ficou entregue a tutoria de José Bonifácio de Andrade e Silva, Patriarca da Independência, substituído em 1833 pelo Marquês de Itanhaém e logo depois em 1839, por Candido José de Araujo Viana. Após nove anos de lutas internas e tumultos que o período regencial não conseguia contornar, a maioridade de D. Pedro II foi declarada pela Assembléia Legislativa em 23 de julho de 1840, na palavra do seu presidente, Marquês de Paranaguá. Era um adolescente de pouco mais de 14 anos. Em 18 de junho de 1841, ele recebeu a espada, cetro, coroa, globo e a mão da justiça na festa da Sagração e Coroação na Capela do Carmo, na Praça 15. Com 15 anos prestou seu juramento constitucional. Desde cedo nutria especial interesse por história, filosofia, música, literatura, biologia, medicina, arqueologia, matemática e astronomia. Essa última talvez, a sua maior paixão. Poliglota falava 16 idiomas. Com o tempo adquiriu conhecimentos enciclopédicos, que mais tarde o conduziriam a Academia de Ciências da França. Assegurou a independência do Uruguai e do Paraguai, além de sufocar cinco revoluções, garantindo 40 anos de paz interna, que veio contribuir decisivamente para a libertação de dois milhões de escravos. Sábio e magnânimo, era para Gladstone, uma dos maiores estadistas ingleses, “modelo para todos os soberanos do mundo”.
Em 15/10/1827, seu pai criou por Decreto, no Rio de Janeiro, o Imperial Observatório, o 1º do hemisfério sul. Mas foi a partir de D. Pedro II, astrônomo amador, sócio nº 85 da Sociedade Astronômica da França, que o Observatório ganhou notoriedade com a contratação dos astrônomos Emmanuel Liais da França (1826-1900) e Louis Cruls da Bélgica (1848-1908). D. Pedro II dedicou-se a instituições científicas e culturais; construção de estradas de ferro, de rodagem, telégrafos por cabos submarinos e usinas hidroelétricas. Construiu em Juiz de Fora, MG, a Primeira Usina Hidroelétrica da América do Sul. Quando terminou o Império, o Brasil possuía 9.583 km de ferrovias. Em 1876 foi aos Estados Unidos conhecer o recém inventado telefone e, no ano seguinte, deu uso prático a ele no Rio de Janeiro, antes mesmo daquele país onde era apresentado em feiras como brinquedo. Fomos assim, o segundo pais do mundo a utilizar o telefone. Depois da Inglaterra, o Brasil em 1843 foi também o primeiro a emitir o selo postal e no ano seguinte iniciou-se a entrega de cartas a domicilio. A telegrafia teve inicio em 1852. Em 1854 foi inaugurada a iluminação a gás nas ruas centrais do Rio de Janeiro. No campo da Defesa Nacional, nossa Marinha estava entre as primeiras do mundo. Abriu o País a colonização estrangeira, principalmente a italiana e alemã que geraram uma prosperidade até hoje desfrutada de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Patrocinou os estudos na Itália do campineiro Antonio Carlos Gomes, que se tornaria o maior compositor das Américas. Ajudava Richard Wagner, que chegou a cogitar em retribuição, estrear no Rio de Janeiro a sua imortal opera ‘Tristão e Isolda’. Em 1876 esteve em Bayreuth, Alemanha, ao lado de reis, príncipes, intelectuais e das maiores expressões do mundo artístico, por ocasião da inauguração do Festspielhaus, o Templo da Música Wagneriana. Em 24/06/1994 visitei o Teatro e me foi mostrado o camarote com a cadeira onde ele se sentou. Em 06/12/1882, financiou 3 missões científicas para observação do trânsito do planeta Vênus pelo disco solar, evento esse que só voltaria acontecer em 08/06/2004. Você sabia que o asteróide nº 293, Brasília, descoberto em 1890 pelo astrônomo francês A. Charlois recebeu esse nome em homenagem a D. Pedro II ? Doou vários instrumentos ao Imperial Observatório dentre eles uma luneta astrográfica que deveria ser usada no Programa Internacional da Carta do Céu. Outros instrumentos adquiridos por ele na Inglaterra chegaram justamente à época da Proclamação da República, e os republicanos não perderam tempo: mandaram tudo de volta!
O Imperador que deslumbrou intelectuais como Victor Hugo, Julio Verne, Lamartine, Renan, Denis, George Sand, Maspero, Prud’home, Flammarion, Sant Saëns e tantos outros, faleceu de pneumonia aos 30 minutos do dia 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos. Seu corpo foi vestido com a farda de General do Exército Brasileiro. No caixão, sua cabeça recostava num travesseiro de veludo recheado com terra do Brasil. Cerca de 300 mil franceses, mais do que no enterro do imortal Victor Hugo, prestaram a sua última homenagem ao Imperador do Brasil, quando seu corpo foi transportado para Lisboa onde ficaria até 1921. Neste ano, revogada a Lei do Banimento, seus restos mortais foram trazidos pelo Encouraçado São Paulo e depositados na Catedral do Rio de Janeiro. Em 1925 foram para a Catedral de Petrópolis, na ala destinada a Família Imperial, onde encontra-se em paz, cercado do carinho e admiração de todos que o visitam. Hoje historiadores sérios atribuem a D. Pedro II, o título de “O Maior dos Brasileiros” e sua devoção a ciência do céu, certamente levou seu espírito para junto das estrelas.


Nelson Travnik é astrônomo, petropolitano, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.