No contexto do Ano Internacional da Luz proclamado pela ONU, o mundo celebra o centenário da versão final da Teoria da Relatividade Geral do físico alemão Albert Einstein (1879-1955). Para o leigo possa parecer estranho a relação que existe entre a teoria do alemão e o nosso País. Mas saibam que ele em 1925 esteve por duas vezes no Brasil.
O trabalho mais influente de Einstein foi a Teoria da Relatividade Geral que descreve a distorção do espaço-tempo na presença de um forte campo gravitacional. O âmago desse postulado, é que a gravitação não é uma força como Isaac Newton (1642-1727) concebeu mas um campo curvo no espaço-tempo-contínuo, criado pela presença de um corpo massivo.Enquanto na teoria de Newton somente a massa contribui para a gravidade, na teoria de Einstein ele introduz o tempo como quarta dimensão. Assim, o espaço e o tempo unidos, por meio da velocidade da luz numa só realidade física. Para ele, o tempo e o espaço não são categorias absolutas como se imaginava mas dependem da posição e da velocidade em que se encontra o observador. O nome relatividade resultou disso e a teoria previa que até a luz poderia ser atraída por um forte campo gravitacional. Essa tese poderia ser comprovada (ou não)medindo a deflexão da luz das estrelas quando elas passassem próximas ao bordo solar e o momento de um eclipse total do Sol seria especialmente adequado para isso. Contudo isso não era novidade poisem 1803 um astrônomo alemão, Johann Von Soldner já havia suposto que a luz fosse feita de partículas e tinha calculado o desvio do raio luminoso vindo de uma estrela distante ao passar bem perto do Sol. Ele calculou o ângulo do desvio em 0,84” e era tão pequeno que sem o recurso da fotografia inventada somente em 1830, essa comprovação era impensável.Por isso a comunidade científica da época ignorou a hipótese de Soldner. Em ciência as teorias precisam ser comprovadas experimentalmente.
VÁRIAS TENTATIVAS
Depois que Einstein anunciou que a observação da trajetória da luz das estrelas distantes em um eclipse total do Sol poderia comprovar sua teoria, E. Freundlich do Observatório de Potsdam, Alemanha, examinou antigas placas de eclipses totais do Sol para ver se isso era verdadeiro. Não encontrou nada. É importante assinalar que a primeira tentativa foi feita no Brasil no dia 10 de outubro de 1912. Dela se incumbiu a missão argentina do Observatório de Córdoba instalada na localidade de Cristina,MG. Objetivas e placas fotográficas para este fim foram enviadas pelo astrônomo W. Campbell do Observatório Lick, EEUU. Importa lembrar a enorme repercussão deste eclipse quando seis missões de outros países(2 inglesas, 1 francesa, 2 argentinas e 1 chilena) e duas brasileiras (ON e Observatório de São Paulo) se deslocaram para as cidades de Passa Quatro, Alfenas e Cristina,MG e Cruzeiro do Sul, SP. Portanto, a missão de fotografar a deflexão da luz ficou restrita somente a missão argentina em Cristina. As outras se concentraram no estudo e estrutura da coroa solar afim de constatar, entre outros objetivos, a existência de um elemento desconhecido chamado ‘coronium’ que era responsável por certas linhas do espectro solar mais tarde identificadas como íons principalmente os de ferro que produziam estas linhas. Infelizmente todo esse esforço nacional e internacional foi em vão pois o tempo não ajudou e choveu. Uma outra oportunidade ocorreu em 21 de agosto de 1914 na Criméia mas foi interrompida pela deflagração da 1ª Guerra Mundial. Uma equipe alemã viu-se prisioneira do exército russo e franceses e ingleses regressaram aseus respectivos países.
Nova oportunidade aconteceu em 3 de fevereiro de 1916 e o astrônomo Enrique Claudet na localidade de Tucacas, Venezuela, apesar do céu coberto com nuvens,conseguiu algumas fotografias que não resultaram satisfatórias para comprovação da teoria. Outro eclipse total do Solo correu em 8 de junho de 1918 mas no momento da totalidade muitas nuvens cobriram o céu.
EM PLENO SERTÃO CEARENSE
A próxima oportunidade para comprovação do chamado “Efeito Einstein”seria o eclipse de 29 de maio de 1919, não somente pela sua duração de 6 minutos e 14 segundos (o máximo de duração é de 7 minutos e 58 segundos se ocorrer em região equatorial) mas porque o Sol estaria numa região rica de estrelas brilhantes na constelação do Touro. A faixa de totalidade passaria pelo Brasil, ganharia o oceano e passaria pela Ilha Príncipe no Golfo da Guiné, afastada 192 km da costa oeste da África. No lado brasileiro foi o diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, ON, Henrique Morize, quem sugeriu a pequena cidade de Sobral, Ceará, para observação do fenômeno. Para acertar detalhes, uma equipe inglesa do Real Observatório de Greenwich chefiada por Andrew Claude de La Cherois Crommelin (1865-1939) veio ao Brasil e ficou acertado que caberia ao ON coordenar as expedições a Sobral.
EM SOBRAL
A expedição brasileira contou com os astrônomos Allyrio H. de Mattos,Henrique Morize, Domingos F. da Costa, o calculador Lélio Gama e o carpinteiro L. Flores. Do lado inglês participaram os astrônomos A. C. Crommelin, Charles R. Davidson e o geofísico Daniel Wise do Real Observatório de Greenwich. A equipe brasileira instalou um fotoheliógrafo Steinheil de 10,5 cm de diâmetro com a missão de realizar estudos e fotografar a coroa solar e a inglesa um celóstato (luneta vertical de 13”com espelhos) para o teste da possível curvatura do raio luminoso de uma estrela próxima ao bordo solar. Na hora da totalidade as condições do céu foram excelentes tendo sido obtidas 21 fotografias das quais 7 muito boas.O exame das fotografias possibilitaram medir o desvio da luz de uma estrela em 1,98”. Einstein havia previsto 1,75” e Soldner, já mencionado, em 0,85”. Estava assim provado que havia uma curvatura no espaço provocado pelo forte campo gravitacional do Sol. Que a luz de uma estrela pode ser defletida quando passar próxima a um corpo com muita massa.Assim, em pleno sertão cearense o mundo constatou que Einstein estava certo. E porque não dizer também, Soldner.
NA ILHA DO PRÍNCIPE
O eclipse não forneceu resultados como os de Sobral. Sofreram com o mau tempo e só conseguiram duas boas fotografias das quais apenas uma apresentou imagens de estrelas com valor científico. A equipe inglesa era formada por Sir Arthur Stanley Eddington (1822-1944) que já estivera no Brasil no eclipse de Passa Quatro, MG, e pelo astrônomo Edwin Turner. Eraa primeira e a mais contundente prova experimental da Teoria da Relatividade Geral. Nos dias seguintes, a comprovação da teoria ocupou as manchetes dos principais jornais do mundo. E o “Times” de Londres estampou uma manchete curiosa : “Uma revolução na ciência : as idéias de Newton estão arruinadas!” Contudo a confirmação oficial só viria em 9 de novembro daquele mesmo ano na Inglaterra quando foi possível comparar as fotografias feitas em Sobral com as chapas fotográficas das mesmas estrelas na região do céu (constelação do Touro) em que o Sol estivera há seis meses. Mais tarde Einstein diria : “o problema concebido pelo meu cérebro,incumbiu-se para resolve-lo o luminoso céu do Brasil”.
Einstein iluminou a física antiga com a introdução da sua fórmula : E =mc2, onde E = energia é igual a massa, m, multiplicada pela velocidade da luz c ao quadrado (luz :300.000 km/s) . Assim, massa e energia passam então a ser duas grandezas da mesma natureza. Ela é uma das mais importantes conquistas científicas do século XX e durante este ano será alvo de muitas palestras, conferencias, workshops, exposições, cursos e encontros científicos no Brasil e no mundo. Em Sobral, Ceará, acontecerão vários eventos no Museu do Eclipse, inaugurado em 29 de março de 1999 para celebrar os 80 anos do mais famoso eclipse na história da astronomia brasileira. Importante frisar que hoje não é mais necessário esperar um eclipse solar total para comprovar o “Efeito Einstein”. Ele é comprovado por muitas experiências e pela observação dos quasares por meios ópticos e pelos radiotelescópios. Em todos eles, o desvio obtido coincide com o calculado por Einstein.
Referências
Einstein no Brasil, Marcomede Rangel Nunes, editora Régis Aló, 2005
Teoria de Einstein é confirmada no Ceará, N. Travnik, Diario do Povo, Campinas, 1989
Observatório Nacional – 185 Anos, Terezinha J. Rodrigues, MCE Gráfica Editora, 2012
História do Observatório Nacional, Antonio P. Videira, MCE Gráfica Editora, 2007
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Ronaldo R. de Freitas Mourão,editora Nova Fronteira, 1996
O Eclipse de 1912 e a correspondência entre Morize e Perrine, Raquel S. Oliveira,CNPq.
Encontros e Desencontros na Observação do Eclipse Solar de 10/10/1912, Christina H.Barboza, MAST/MCTI
Agradecimento: ao físico, escritor e astrônomo , Paulo Bedaque ,companheiro emtrês eclipses totais do Sol, meus melhores agradecimentos pela revisão do texto .
Nelson Travnik é astrônomo, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
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