Nelson Travnik
Qualquer
astrônomo sabe que Sirius é dupla e de cor branca. Contudo na
antiguidade há registros feitos pelos babilônios, egípcios,
gregos, romanos bem como em cartas celestes, onde aparece Sirius como
uma estrela avermelhada. Numa tradução latina do poema grego de
Aratus, Cicéron declara que Sirius ‘cintila como uma luz
avermelhada’. Essa estrela de brilho esplendido, a mais brilhante
do céu, por isso mesmo a mais notada, tem sofrido em tempos
históricos uma estranha transformação em sua luz. Seriam essas
observações uma falha nos achados arqueológicos de povos que
registraram outros fenômenos com impressionante acuidade ou
realmente Sirius mudou de cor? Tudo leva a crer que sim e para chegar
a essa conclusão os pesquisadores alemães Wolfhard Schlosser e
Werner Bergmann da Universidade de Ruhr, contaram com a sorte de
descobrir nas crônicas de São Gregório de Tours, cidade francesa,
datadas do ano 577, uma referência a Sirius que a descreveu de cor
avermelhada. Acrescente-se que São Gregório não teve acesso aos
trabalhos de observadores do céu na antiguidade e era considerado o
maior sábio do seu tempo. Para explicar o fato, os pesquisadores
sugeriram que a companheira de Sirius era uma estrela do tipo gigante
vermelha. De lá para cá sofreu um processo de envelhecimento,
queimou quase todo seu combustível nuclear, contraiu e tornou-se uma
anã branca. Essa tese foi publicada na conceituada revista inglesa
de ciência Nature.
Contudo
para eles, esse processo em Sirius B tomaria no mínimo 100.000 anos
e isso implicaria em uma revisão da teoria mais aceita pelos
astrofísicos uma vez que a menos de 1500 anos atrás Sirius ainda
era avermelhada. Considerando válido os depoimentos, tudo leva a
crer que talvez seja necessário refazer as contas uma vez que a
menos de 1500 anos atrás Sirius ainda era avermelhada.
ANÃS BRANCAS
As
estrelas anãs brancas estão divididas em dois tipos que obedecem
uma evolução diferente segundo sua massa original. A primeira é
para estrelas com massa entre 0,08 e 0,45 massas solares que após
queimar o hidrogênio passa a queimar o hélio e num processo de
expansão se transforma em uma gigante vermelha. Esta fase se
estabiliza, inicia-se a seguir uma um período de contração e o
produto final é uma anã branca com núcleo de hélio. O outro tipo
são estrelas com massa inicial entre 0,8 a 10 massas solares. Após
consumir o hidrogênio no centro passa a queimar o hélio e numa fase
de expansão se transforma em uma gigante vermelha. Contudo o
processo de expansão continua passando a transformar o hélio em
carbono e oxigênio e o resultado é tornar-se uma super-gigante
vermelha. E a coisa não pára ai. No cerne, um núcleo super-massivo
irá se transformar em uma anã branca. Ela contudo não consegue
reter as camadas externas que passam a se expandir sempre tornando-se
uma nebulosa planetária. A anã branca produto deste tipo de estrela
é composta de carbono e oxigênio, portanto diferente do primeiro
tipo. Baseado neste tipo de evolução estelar mais aceito atualmente
e que comprova-se com o que é observado, o que aconteceu com o
companheiro de Sirius está enquadrado no primeiro tipo uma vez que
não é observado nenhum resíduo de gás envolvendo a estrela e
muito menos qualquer sinal de uma nebulosa planetária que estaria
sendo facilmente detectada. As últimas pesquisas apontam que Sirius
B tem baixa temperatura, alta luminosidade e tem uma massa solar
concentrada em um raio de somente 18.000 km ou 2,8 o raio da Terra.
Sua densidade nesse caso é de 2 milhões de vezes a densidade da
água! Algumas anãs brancas tem densidades centrais tão altas que
uma colher de chá desse material pesaria algo em torno de 50
toneladas! A anã branca de Sirius é a mais próxima conhecida.
Atualmente se conhecem mais de 25.000 anãs brancas e 10.000
nebulosas planetárias em nossa galáxia.
SIRIUS
As
características de Sirius são bem conhecidas, É parte da
constelação do Cão Maior com uma magnitude aparente de -1,5.
Encontra-se a 8,6 anos-luz da Terra, é 1.76 vezes maior que o Sol,
26 vezes mais luminosa e tem uma temperatura superficial de 11.000°
K. Devido ao seu forte brilho, para alguns povos significava “a
ardente” e para outros “a brilhante”. No Egito antigo, quando
ocorria o nascer helíaco de Sirius, iniciava-se a cheia do rio Nilo,
evento ansiosamente aguardado pelos habitantes pois era chegada a
hora do plantio. Esta data servia também para ajustar o calendário
egípcio de 365 dias. Conhecida como Sothis, marcava a criação do
mundo e o inicio do ano em seu primeiro nascer helíaco.
A DESCOBERTA
No
inicio de 1834, o astrônomo alemão Friederich Wilhelm Bessel
(1784-1846), suspeitou que o movimento próprio de Sirius não era
uniforme. Dez anos depois, em Königsberg, Alemanha, ele anunciou que
as irregularidades observadas no movimento próprio de Sirius só
poderia ser explicado pela presença de uma astro perturbador.
Constatou o mesmo em Procyon por apresentar também uma flutuação
no movimento próprio. O período do companheiro de Procyon mais
tarde confirmado por Anwers é de 40,6 anos. A comprovação do
companheiro de Sirius veio somente em 1862 através do óptico e
matemático americano Alvan G. Clark (1832-1897) quando testava com
seu filho uma luneta com objetiva de 47 cm por ele construída.
Entretanto foi o filho que viu primeiro: pai ! Sirius tem uma
companheira! Bessel inaugurou o primeiro capítulo do que poderíamos
chamar de ‘astronomia do invisível’ pois foi prevista em razão
do efeito gravitacional no movimento próprio da estrela principal.
Nesse aspecto cumpre destacar também a descoberta em 1969 de um
companheiro invisível na estrela Aitken 14 feita pelo astrônomo
brasileiro Ronaldo R. de Freitas Mourão (1935-2014). Tal descoberta
foi confirmada pelo astrônomo francês P. Baize e pelo astrônomo
austríaco J. Hoppmann que determinou sua órbita provisória. A
descoberta de Bessel inaugurou uma nova categoria de estrelas: as
anãs brancas.
OBSERVAÇÃO
As
duas estrelas se atraem mutuamente ao redor de um centro de gravidade
comum, com período de 50 anos. Sirius B é dez magnitudes mais fraca
que Sirius A. Sua observação só é possível com grandes
instrumentos ou aberturas menores munidas com câmaras CCD. Contudo
isso não basta e é necessário conhecer a época em que Sirius B se
encontra mais afastada de Sirius A (apoastro) em razão do brilho
intenso dessa estrela. O gráfico abaixo mostra a órbita aparente
relativa de Sirius B, com as posições no periastro e apoastro, on-
de vê-se
que as melhores épocas de observação foram de 1960 a 1980 com
destaque em 1973 na maior separação aparente (11,5 segundos de
arco). Atualmente a observação de Sirius B é muito difícil. A
história envolvendo Sirius é intrigante, fascinante e mostra que
assim como existem muitos mistérios na Terra, os há também no céu.
O
autor é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP e
Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.
REFERENCIAS
Astronomy , R. Baker e L. W. Frederick, 1971
Scientific
American Brasil, edição especial nº 13 , Estrelas
Astronomia & Astrofísica, Kepler de Oliveira e
Maria de F. Saraiva, LF edi-
torial,
2014
Astronomie Populaire, Camille Flammarion, nova edição,
1955
Les Etoiles et les Curiosités du
Ciel, Camille Flammarion, Ernest Flammarion
editeur, 1896
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica,
Ronaldo R. de
Freitas Mourão, 2ª edição,
editora Nova Fronteira, 1995.
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